Diferentemente do que ocorria na Idade Média, o excesso do consumo de afrodisíacos passa a ser severamente condenado na Idade Moderna. É importante também lembrar que, pelo menos durante o Renascimento, se a reprodução era assunto importante para médicos e teólogos, a chamada “cópula carnal” revestia-se, no entender dos mesmos, de grandes riscos.
É bom não esquecer que se considerava, então, a mulher, um acólito de Satã e portadora de uma porta úmida que se abria para o inferno. Acreditava-se que o obscuro golfo da vagina escondia, em suas águas, seivas nefastas impregnadas de pecado e doenças. A “sombria caverna”, o pântano pútrido, abrigava o membro considerado por Aristóteles inobediente a sua dona. Não é à toa que cronistas e os primeiros médicos que vêm para a América portuguesa, como o holandês Guilherme Piso, registrariam que excessos libidinosos comuns entre indígenas ou mestiços levavam a “perpétuas vigílias” e febres. Culpa das mulheres e das obras de Vênus!
Esta visão se torna mais densa a partir do século XVII, momento em que, num contraste evidente com textos médicos botânicos do século XVI, “o serviço de Vênus” ou a luxúria passa a ser atacada. Mais: ela passa a ser classificada. Além de pecado, será considerada enfermidade. Não obstante, afirma o mesmo autor, as plantas que incitavam os sentidos sensuais continuam a ser registradas em algumas obras. Afinal, persistia a preocupação com o bom desempenho sexual. Entre elas acha-se a prosaica hortelã — “esta erva é quente e seca, é boa para dores de cólica, de estômago, do útero e da cabeça; provoca atos libidinosos”, informa o médico português Francisco da Fonseca Henriques, em 1731; “os nabos são quentes e úmidos, cozem-se com facilidade e nutrem pouco pelo seu calor e flatulência incitam a atos libidinosos”; “a cenoura quente e seca” incitava a natureza para o serviço de Vênus .
Questões relativas à potência sexual percorreram, durante a Idade Moderna, a região fronteiriça entre o pecado, a doença e o vício. O uso de plantas para fins libidinosos era evidenciado na importância dos unguentos e filtros e na perseguição de benzedeiras, curandeiros e bruxas, que os empregavam na magia capaz de tornar qualquer um impotente. Desde o século VII, quando Isidoro de Sevilha registrou o uso de uma planta chamada satyrion — “assim chamada pelo incêndio libidinoso que produz” — até o século XVIII, quando a satiríase será diagnosticada como uma doença, a arte da afrodisia sofrerá perseguições. Se os cronistas quinhentistas registravam o uso suntuoso dos aromas e dos óleos para fins sensuais com insistente curiosidade, os médicos dos séculos posteriores condenavam cada vez mais os mesmos procedimentos. Em 1629, outro médico luso, Aleixo de Abreu descreverá, de forma exemplar, a sequência de doenças que sofreu quando uma inflamação do fígado foi seguida por outra de rins, depois por uma satiríase até chegar à febre. Instalada inicialmente em vários órgãos, ao atingir o sexo, a doença tornava-se violento e compulsivo desejo.
Como terapia, Aleixo tentaria debelar a doença do desejo com as mesmas sangrias que recomendava para outras doenças, pois seria “o grave calor do sangue” que causaria o “incêndio no lombo”, aquecimento de artérias e enviando “espíritos ao membro”. Relatar como foi acometido de satiríase e o modo pelo qual se curou, não era incomum. Errado seria não ter diagnosticado a natureza de um mal no enrijecimento do seu próprio pênis, pois não sendo doença, tal coisa só podia ser luxúria. Luxúria condenável em qualquer cristão e mais ainda num médico, pois como dizia outro autor, Brás Luís de Abreu “deixa de ser médico, se é lascivo”.
Outras ‘doenças’ sexuais também fazem sua aparição. A “erotomania ou a melancolia amorosa”, mal da época a atingir homens e mulheres obcecados com questões de virilidade e fecundidade, era combatida com sangrias copiosas, realizadas nos braços, nos pés ou atrás das orelhas. João Curvo Semedo preferia às sangrias, cocções a base de corações de ratos domésticos e ouro puríssimo. Dietas eram obrigatórias e delas varriam-se todos os alimentos “quentes”, baseados em especiarias e condimentos como as já mencionadas pimentas. Os fármacos empregados eram de natureza “fria e úmida”, visando apagar o incêndio da carne. A doença, chamada “febre amorosa”, era descrita nos seguintes termos:
“Nossos modernos práticos chamam febre amorosa os batimentos do coração, inchamento do rosto, apetites depravados, tristeza, suspiros, lágrimas sem motivo, fome insaciável, sede raivosa, síncopes, opressões, sufocações, vigílias contínuas, cefalalgias, melancolias, epilepsia, raivas, furores uterinos, satiríases e outros perniciosos sintomas que não recebem mitigação nem cura na maior parte das vezes do que pelos remédios do amor.”
Sua causa pode ser tanto um veneno como um remédio ou filtro amoroso. Esse mal, metaforizado num guerreiro que conquista uma fortaleza ataca inicialmente pelos olhos, flui pelas veias como um veneno, chegando ao fígado, que inflama de forma a transmitir um calor aos rins e ao lombo, que se tornam sedes importantes do sistema erótico, chegando finalmente ao cérebro, então, escravizado. – Mary del Priore.
“Afresco do Inferno”, de Giovanni de Modena.
Convivi com um colega de trabalho alguns anos atrás. Naquele tempo nós não rezávamos. Morávamos juntos. Éramos engenheiros de uma frente de obras. Eu era solteiro e ele casado. Nossas residências fixas eram em outras cidades. O colega era um profissional espertíssimo, mas ele sofria de algo que eu nunca falei nada. No fundo eu não aprovava. Ele era acometido de satiríase. Era o maior “pegador de mulher”. E a levava lá para nossa casa. Uma coisa eu percebia, ela usava de seus recursos para aliciar lindas meninas, algumas eu percebia que não eram meninas de programas. Não me recordo de vê-lo com uma mulher que tivesse cara de prostituta. Isto me marcou muito e graças a Deus nunca falei qualquer coisa para alguém, muito menos com ele. Mas eu não aprovava. Certa vez ele levou duas tentando me levar para seu caminho. O tempo nos separou para sempre. Nunca mais ouvi falar do nobre colega. Nos últimos tempos fui resgatado das profundezas da região dos mortos e voltei a conversar com Deus. Um dia, passados 20 anos, um irmão dele me encontra na rua na minha cidade. Nosso diálogo foi curto e respeitoso. Despedimo-nos e alguns minutos depois eu percebi que Deus não deixou que eu lembrasse de perguntar pelo outro irmão. Eu penso que ele ao tomar conhecimento do fato tomou como uma resposta de desabono ao seu passado de vida promíscua…:)