Por Bárbara Diniz.
O que é o Brasil? Floresta trançada, rios que buscam o mar. Um conjunto de continuações e rupturas e um desfile de gente tão igual quanto diversa para quem, acima de tudo isso, o Brasil é casa: um lar com o qual temos uma relação única. É um pedaço de chão coberto pelas pegadas do nosso caminhar e pela nossa memória. É testemunha da lealdade entre amigos e parentes, dos atos movidos por impulsos e lágrimas, dos sentimentos arrebatadores e de toda a malandragem. É uma construção viva, parte conhecida e parte misteriosa, carregada por cada um dos brasileiros; construção rica e exuberante, que se alarga para o passado e para o futuro. O único modo de adentrar os mistérios e de entender um pouco mais sobre o que somos e porque somos é retornando a esse passado. Nas raízes do nosso Brasil, essa árvore frutífera de sonhos, repousam os segredos que buscamos descobrir.
E a elas se volta Sérgio Buarque de Holanda, no livro que, em 1936, nascia clássico. Quem, afinal, plantou a semente? Vindos lá de Portugal, do outro lado do Atlântico, essa gente que mudaria a nossa História jogou âncora e desembarcou aqui, nas terras tropicais. Gente aventureira, um tipo ambicioso que desconhece a fronteira do impossível e que insiste em ampliar os horizontes de projetos vastos. Para eles, o objetivo final importa mais que o processo para atingi-lo; seu ideal seria “colher o fruto sem plantar a árvore”. Ao som dos pássaros, em meio ao colorido da paisagem e sob o azul de um céu ensolarado, desde o século XVI, esses aventureiros desenhavam seu rascunho do Brasil… Rascunho do projeto colonial que seria semeado sob outro clima e outra paisagem. Os sonhos que faziam parte desse projeto, sonhos de riqueza e de autonomia, foram lançados pelos colonizadores sem cuidado algum, ao deus-dará: sementes prontas para germinar. E germinaram. Cresceram em forma de casas, vilas e arraiais que mais pareciam frutos da própria natureza do que da razão humana. Razão?
Racionais são as linhas e os ângulos retos, racional é a geometria. É a dedicação de um ladrilhador que reveste paredes com clara harmonia ao dispor as peças. É a ordem de um trabalhador que mantém os pés no chão. Ordem esta que não teve espaço na fantasia dos portugueses, dos semeadores de sonhos. Enquanto o Brasil seguia a lógica da aventura e da imaginação, os colonizadores espanhóis queriam segurança. Buscavam dominar os nativos com base numa ordem que não existia nas colônias portuguesas. Assim, enxergavam, antes da vitória, as dificuldades que precisariam vencer: o processo. Embora não haja oposição total entre os dois tipos, que podem conviver e combinar-se, a comparação entre eles é importante para ordenar o conhecimento sobre esses homens. Isso porque, na conquista dos novos mundos, foi a ousadia dos aventureiros que encontrou terreno fértil à expansão. As expressões urbanas dessa ousadia e dessa desordem estão nas construções que serpenteavam nos obstáculos geográficos como que enlaçadas na linha da paisagem, todas elas submetidas aos chefes, aos patriarcas. Debruçadas sobre o mar para que o envio de produtos à metrópole fosse facilitado, representam o triunfo dos cordiais semeadores na sociedade brasileira.
Cordialidade: a expressão perfeita das emoções transbordantes, da lealdade entre amigos e dentro de casa, com a família, onde encontramos acolhimento e amor. Nascido do ambiente criado por nossos ancestrais aventureiros, “daremos ao mundo o homem cordial”. É o brasileiro que jamais aceita um “não” diante de situações formais, porque todas elas admitem um “jeitinho”. É o malandro que acredita que “ficar em cima do muro” é prático e necessário, mas que é capaz de qualquer coisa para defender os laços de coração. São as virtudes familiares que não se separam das atividades públicas e que acabam invadindo seu espaço; é o homem de negócios que privilegia amigos e parentes. É a religiosidade que mistura o sagrado e o profano e que trata os santos com intimidade quase desrespeitosa. É o horror às distâncias, que contorna e controla as nossas relações.
Para que saibamos quem somos e porque somos, devemos entender cada um desses contornos do corpo e da alma do nosso país; devemos ouvir o que os aventureiros, semeadores e homens cordiais têm a nos dizer. Raízes do Brasil é uma ponte que nos leva até eles. É o encontro do Brasil consigo mesmo, que aproxima passado e presente e que nos coloca frente a frente com as nossas origens. Olhando para elas, entendemos por que a semente foi plantada de maneira a transformar obstáculos em trampolim, limitações em projetos ilimitados e sofrimentos numa cultura única. Percebemos a mistura e a transformação de vários costumes que formaram um só país, a sobrevivência de culturas que venceram o tempo e que sobrevivem exatamente porque sempre se transformam. Culturas nascidas do encontro de povos que deixaram de ser eles para se fazerem nós: os brasileiros.
É um prazer ler estes ótimos textos, independentemente do gênero, enquanto ainda não é famosa. Ainda espero entrar numa livraria e encontrar seu nome por lá!
Bárbara sendo Bárbara…
Além da belíssima escrita, do leve toque didático presente, é interessante perceber como os pontos mais importantes que são possíveis de serem trabalhados em sala de aula no ensino Fundamental II e até no Médio, dentro do contexto educacional atual, estão abordados brilhantemente neste texto. O projeto colonizador lusitano e hispânico são fundamentais e saborosos no entendimento da história colonial e na formação de nossos principais traços como povo, e ainda assim, muitos professores de História acreditam que os alunos não são capazes de digerirem a essência que Sérgio Buarque revelou em Raízes. Nada como uma boa transposição pedagógica… pena que ainda há a lei do mínimo esforço. Sorte que ainda há quem ouse ler, escrever e falar dessas ideias fantásticas.
Parabéns Bárbara!!
“Sejamos realistas: tentemos o impossível!!”