Machado de Assis e o “belo sexo”

           Nas suas obras, Machado de Assis costumava fazer minuciosas descrições dos personagens, destacando características físicas, psicológicas e de vestuário. Ao falarmos de sua mais famosa heroína (ou vilã, como dizem alguns), Capitu, de Dom Casmurro, vem-nos imediatamente à memória os belos “olhos de ressaca”. Mas, também os vestidos de baile que deixavam os braços nus e as saias-balão enormes. Todas estas características fornecem indícios importantes para entendermos os personagens principais da trama: Bentinho, ciumento e mesquinho, e Capitu, vaidosa e sedutora. Quem estuda a sociedade brasileira do século XIX sabe que suas obras representam uma fonte riquíssima de informações sobre o período.

           Machado de Assis escreveu crítica teatral, quando jovem, na revista semanal “O Espelho” (1859-1860). Na publicação, o autor discutia com frequência assuntos ligados à moda e aos costumes sociais, como o uso do leque nos salões e teatros da época. O cronista também fazia comentários sobre o figurino e o cenário das peças. Em algumas passagens, ele notava a falta de coerência dos figurinistas. Em meio aos excessos do Romantismo, o escritor criticou duramente a falta de verossimilhança de determinadas cenas: em outra peça, notou que o imperador romano tirava o chapéu para provocar a multidão, algo impensável na história narrada; em outra ocasião, percebeu que os móveis que compunham o cenário eram de uma época anterior ao período em que se passava a ação…O autor reclamou várias vezes dos anacronismos cometidos em cena.

         Uma coisa que me chamou atenção é o tom com que Machado de Assis dialogava com suas leitoras. O “belo sexo”, e suas futilidades, é tratado sempre com condescendência e um certo sarcasmo. Vejamos:

Ao criticar uma ópera, o folhetinista diz estar disposto a discutir suas convicções artísticas com as leitoras de “lábios de rosa” e mudar de ideia caso alguma delas o fizesse ver que estava errado. (pelo menos, era isto que ele dizia em sua coluna semanal)….“prometo não dar motivo de descontentamento aos belos espíritos encastoados de cachemira e seda que têm a complacência de perder algumas horas comigo, antes de ir para o toucador (…)”

         Enfim, o grande escritor é bastante irônico com as suas leitoras. Mas, afinal,  a quem ele se dirigia? A mulher com quem ele dialogava vivia em casa, sem fazer nada, preocupada apenas em se embelezar. A imagem do sexo feminino na época do Romantismo era exatamente esta. Educada para ignorar a realidade e sonhar com aventuras românticas, em lugares exóticos e distantes, a mulher das classes mais abastadas deveria agradar o marido, ser boa dona de casa e manter-se bela e elegante.

         Os escritores que se engajaram no “movimento realista” (Machado de Assis seria o maior representante no Brasil) trataram do tema em diversas obras, como “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, e “O Primo Basílio”, de Eça de Queiroz – para citar os mais famosos. Mais do que uma crítica ao sexo feminino em si, os realistas foram implacáveis com o modo de vida imposto às mulheres da época. Machado também parece estar usando de ironia para com aquelas filhas e esposas mantidas em seus quartos cor-de-rosa, em meio a roupas, rendas, perfumes, romances e novelas adocicadas. As moças, estimuladas a manter suas cabecinhas nas nuvens, eram presas fáceis para os aproveitadores e tiranos. Será que algumas entenderam o recado do cronista? 

          Só para finalizar, o escritor era considerado um homem elegante e e andava impecavelmente vestido. Terno, colete, chapéu, relógio de corrente, luvas, polainas, bengala e os característicos óculos eram parte de seu figurino habitual. E não é de se estranhar, já que ele tinha uma percepção estética tão apurada. A carreira de escritor levou o rapaz humilde a ascender socialmente. Inteligente, o autor logo entendeu que o vestuário era um dos mais importantes códigos que regiam a sociedade da época, e, sem dificuldades, passou a dominá-lo e usá-lo a seu favor. Machado de Assis e a moda se tornaram grandes amigos ao longo da vida.

Texto de Márcia Pinna Raspanti

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  1. Maria José da Silva

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