O Sexo Higiênico e o Amor Romântico

No dia 24 de janeiro de 1890, foi aprovado o Decreto n. 181, que estabeleceu o casamento civil no Brasil. O debate era antigo e opunha os defensores da Igreja contra os liberais, que prometiam progresso ao país. A Igreja católica entendia que casar no civil era um atestado de maus costumes, “uma mancebia legalizada”, uma “lei iníqua”, e atacava as práticas liberais que queriam “desterrar Deus da família”. Muitas jovens piedosas, para demonstrar seu “pudor de donzela cristã”, negavam-se a se casar no civil. E as discussões familiares giravam em torno do assunto: é pecado ou não casar no civil?  Em paralelo, a Igreja começou a combater as mancebias. Casamentos passaram a ser celebrados sem pregão, e a campanha pelas ruas ganhou o nome de “Ou casa, ou separa”. Apesar desses esforços, a partir de 1889, o juiz de paz já realizava mais casamentos do que o padre.

Nessa época, também, sutis mudanças: o modelo do amor romântico começava a se espalhar. Diferentemente da Europa, o modelo vinha “de baixo para cima”. Não eram as elites inspiradas no romance sentimental que iriam disseminá-lo, e sim os imigrantes e migrantes, as camadas populares, para quem o afeto substituía o dinheiro. Apesar da moda, a família seguia como grande conselheira, tentando associar seus interesses coletivos aos interesses pessoais dos noivos. Os novos valores seguiam convivendo com os tradicionais – sentimentos e negócios tinham de dar bom resultado. Mas já se admitia que a relação de confiança e respeito mútuo pudesse, sim, ser regada por laços amorosos.

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Esse era o assunto que interessava às mulheres. Revistas femininas, na virada do século XIX para o XX, previam que casamentos sem amor eram “agentes de divórcios”. Suas páginas multiplicavam as fórmulas impressas sobre “como garantir a felicidade para sempre”. A novidade era o conceito de “lar” associado ao casamento: casa limpa, bem cuidada, sem luxo nem muitas despesas. Famosa, a Revista Feminina publicava uma coluna intitulada “o cardápio do meu marido”, e em certo artigo admoestava as casadas para que não se tornassem “baleias”. Concluía o articulista: “E se quiserdes completar a vossa felicidade, o ciúme, varrei-o para sempre das vossas casas, dando de quando em vez, ao vosso marido, um dedinho de liberdade”.

Graças a tantos discursos e esforços da Igreja e do Estado, a instituição que servia para separar as esposas das concubinas, no período colonial, ganhou músculos na virada do século. Mais: o matrimônio teria, de agora em diante, a supervisão da medicina.

O matrimônio se tornou uma barreira contra a imoralidade. Era garantia de manutenção da ordem social. Teses de medicina eram publicadas, demonstrando tal preocupação: “Dos casamentos do ponto de vista higiênico”, de Frederico Augusto dos Santos Xavier, em 1876, foi uma delas. Paixões e vícios se refletiam na saúde dos filhos. Se o casal não se gostasse, a cópula podia resultar em crianças com distúrbios mentais, dizia o autor. Melhor consultar antes um médico, em vez de um banqueiro, para conhecer o dote da noiva, pois casamentos por interesse faziam mal!

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A reprodução estava na ordem do dia. O Brasil precisava de braços para trabalhar, crescer e progredir. Daí a indicação do coito higienizado: “É da máxima utilidade o casamento, ainda, porque é de imperiosa necessidade para o organismo a aproximação dos sexos, a cópula, como uma necessidade da natureza”. – Mary del Priore.

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Fotografias de recém-casados do início do século XX.

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