A primeira época do reinado de D. Pedro II, entre 1840 e 1867, até a Guerra do Paraguai, se copiavam tanto os esplendores do Segundo Império francês, quanto aos costumes. Paris dominava o mundo. O Rio de Janeiro se contagiava por imitação. Nos diferentes bairros, proliferavam Sociedades com títulos preciosos: Vestal, Sílfide, Ulisséia. A dupla piano e charuto torna-se inseparável: a mocidade abandonara o rapé, preferindo olhar a fumaça com volúpia. Rapazes pareciam sonhar com um charuto entre os lábios, enquanto a jovem atacava uma valsa no piano. Lia-se Byron, solfejavam-se óperas como Nabuco ou Otelo. O Catete, “o bairro do bom-tom, da elegância, do espírito, da aristocracia- o fabourg Saint-Germain do Rio de Janeiro, tinha salões onde ecoavam canções em francês: “- Dieu ma conduit vers vous…Oui, je doute de l´esperance et de l´ amour….”.
Tudo era pretexto para reuniões e encontros: São João, Reis, Natal com dança depois da missa, bailes à fantasia em que mimosas pastoras ou lindas escocesas, iluminadas por velas, eram tiradas para dançar. O tempo de festa do Natal, segundo padre Perereca, era o mais propício para os jovens. Nele se pescavam amores novos e começavam namoricos para o ano inteiro. Nele se organizavam jogos de prendas, cantavam-se modinhas e fazia-se muito barulho. “E acabado tudo cada um vai para seu ninho murmurar e desenferrujar a língua a custa dos amigos”, anotava, maldoso.
Outro momento de lazer, era o dos banhos de mar. “É divertido verem-se as moças e os rapazes brasileiros correndo pela praia, soltando gritos de prazer toda a vez que uma onda mais pesada rola por cima de um grupo e os atira cambaleando sobre a areia – […] senhoras em roupa de banho de tecido escuro, soltam as tranças. Homens e mulheres de mãos dadas entram no espumoso elemento e, assim os que não são bem adestrados em natação podem resistir ao embate das ondas mais fortes que caem sobre eles. De vez em quando algum gaiato grita: “Tubarão! Tubarão!”, molhando as senhoras, para provocar o riso dos garotos”, contam os missionários anglicanos Kidder e Fletcher, em 1851, sobre as praias cariocas.
As estreitas ruas nas capitais, até finais do século, ruas como a do Ouvidor, por exemplo, também tinham seu papel de mediadoras de amores. Até Machado de Assis escreveu contra o seu alargamento: “se a rua ficar mais larga para dar passagem a carros, ninguém irá de uma calçada a outra, para ver uma senhora que passa – nem a cor de seus olhos, nem o bico de seus sapatos, e onde ficará em tal caso o “culto do belo sexo” se lhe escassearem os sacerdotes”? E de fato, leitor, as ruas eram a vitrine na qual elas desfilavam, com o pretexto de ver as outras vitrines – as comerciais – sobretudo depois que se instalaram lampiões de gás na década de 1860. O flirt, – palavra que aparece no início deste século para designar amores mais ou menos castos – era feito nas ruas principais de cada cidade. Ele tinha um verdadeiro ritual: bengalas à mão, monóculos, para dar um ar de seriedade, os jovens leões – como eram chamados os belos nordestinos ricos que vinham estudar no Rio de Janeiro – andavam ao pares. Postados nas calçadas, procuravam embaraçar “o trânsito das moças passantes, e aí levam palestrando, sabe Deus sobre o quê! Quando o rancho feminil se aproxima, eles se afastam para o meio da rua, e deixam passar as belezas da terra, os anjos do céu, as estrelas errantes, as flores animadas, e o cavalheiro que conduz as senhoras se descobre, com um sorriso nos lábios e a gratidão no coração. O agradecimento simbólico é imediatamente correspondido pelos dignos e amáveis cavalheiros que acodem depois a seu posto, a espera que o novo rancho que aí vem lhes dê novamente o ambicionado incomodo, e a cena de apresentação das armas se reproduz, e o chefe do novo batalhão feminil passa, abatendo também as suas bandeiras”, conta-nos José de Alencar, em 1855.
E finalmente, a ópera – introduzida por D. Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II – e os teatros que tinham se multiplicado durante o Segundo Reinado, também estimulavam formas de sociabilidades, lazer e – por que não – namoros à distância: um código de olhares por sobre os leques, o ruge-ruge de tafetás e sedas entre frisas e camarotes, pois as moças se sentavam e levantavam para exibir suas toilettes, encomendadas especialmente para a ocasião, o rubor das faces, resposta a um olhar masculino mais prolongado. Encontros e conversas tinham início em passeios a cavalo, piqueniques, ou nos bailes que se seguiam à formatura geral das tropas militares. Eram comuns as recepções com representações particulares de teatro, com jovens ajudantes de ordens e damas a encenar os papéis importantes. Não faltavam recepções oferecidas por militares mais graduados. O ponto alto da temporada era a grande festa anual do “Imperador do Divino”, celebrada com a presença de cavalheiros em uniformes de gala e damas ricamente vestidas.
Da Colônia, onde a representação sobre o lazer fabricava-se, ainda contaminada pelo mundo do trabalho e, enquanto sinônimo de preguiça, passou-se a outra. A do lazer, descolado da casa, da família e dos amigos. A do lazer de rua e de consumo. A representação sobre o lazer deixa de estar articulada com a noção de possibilidade – “ser permitido fazer algo” – para se tornar a expressão de uma liberdade. Ela se transforma no tempo de que se pode dispor, não mais dentro, porém fora do mundo do trabalho. Não mais surrupiado em meio à tarefas e responsabilidades cotidianas, domésticas e familiares, mas, quase um direito. Lazer passa, então, a ser sinônimo de distração, de tempo para si, de algo que é dado para ser desperdiçado em descanso e em repouso, dentro ou fora de casa. Com um detalhe: os lazeres masculinos encontravam-se, no decorrer do século XIX, portas afora. E o feminino, ainda portas adentro. A vida pública foi uma conquista mais lenta para as mulheres. Esse foi, enfim, um tempo de sutis transformações, lentamente consolidadas, incorporadas à vida cultural e social. – Mary del Priore
Banhos de mar representavam momentos de lazer.