No céu do século XIX brilhou uma estrela. A do adultério. A história de amantes prolonga, sem dúvida, um movimento que existia há séculos. A diferença é que a simples relação de dominação – como, por exemplo, a que houve entre senhor e escravas durante o período Colonial – deu lugar a uma relação venal, que o cinismo do século tingiu com as cores da respeitabilidade. Por vezes, até apimentou com sentimentos. E o exemplo vinha de cima.
O período abriu-se com a chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808. Entre os membros da família real, Carlota Joaquina Teresa Caetana de Bourbon y Bourbon já vinha mal falada por viver na Quinta do Ramalhão, palácio distante do marido, D. João. A boca pequena murmurava-se sobre a rainha com o comandante das tropas navais britânicas, Sydney Smith. A ele, ela ofereceu de presente, uma espada e um anel de brilhantes. Temperamental e senhora de um projeto político pessoal – queria ser regente de Espanha, – a rainha teve, sim, amores. Todos encobertos pela capa da etiqueta e por cartas trocadas com o marido, nas quais, apesar de não viverem juntos, ele era chamado de “meu amor”.
A nora, recém-chegada de uma das mais sofisticadas Cortes europeias, a Áustria, não deixou de escrever aos familiares, chocada com o comportamento de Carlota Joaquina: “Sua conduta é vergonhosa, e desgraçadamente já se percebem as consequências tristes nas suas filhas mais novas, que têm uma educação péssima e sabem aos dez anos tanto como as outras que são casadas”.
Os casos amorosos da rainha eram conhecidos e o mais rumorosos deles resultou no assassinato a facadas – a mando da própria Carlota – da mulher de um funcionário do Banco do Brasil, sua rival. Enquanto isso comentava-se a solidão de D. João VI, atenuada – dizem biógrafos – graças aos cuidados de seu valete de quarto.
O filho D. Pedro não escondeu de ninguém seus casos. Tampouco se importava em ser discreto em relação à própria esposa, a princesa Leopoldina Carolina, com quem casou em 1817. Segundo biógrafos, “seu apetite sexual” era insaciável. Ele não conhecia limites nem diante da família nem diante do marido da mulher desejada. Não importava a condição social: mucamas, estrangeiras, criadas ou damas da Corte. O cônsul espanhol Delavat, no Rio, em 1826, acusava-o de ser “variável em suas conexões com o belo sexo”. E não hesitava em manter relações com várias mulheres de uma mesma família, como fez com a dançarina Noemi Thierry e sua irmã.
O mesmo Delavat dizia sobre D. Pedro que tinha ele “um objeto distinto para cada semana, nenhuma consegui fixar sua inclinação”. Nenhuma até ir a São Paulo, em setembro de 1822 quando proclamou a Independência. Lá encontrou Domitila de Castro Canto e Mello. Tinha D. Pedro 24 anos, e Domitila, 25 anos.
Tinha início entre os dias 29 e 30 de agosto de 1822 uma aventura romanesca que marcaria a vida de D. Pedro. Este affair extravasou a alcova e refletiu-se, mais tarde, na vida política e familiar do príncipe, bem como na imagem que dele se fazia dentro e fora do país.Logo após tornar-se imperador, d. Pedro transforma Titília numa “teúda e manteúda” que é apresentada à Corte e instalada em casa, atual Museu do Primeiro Reinado, ao lado do Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
O amor adúltero desenvolvia-se na frente de todos e dividia a Corte. Os irmãos Andrada, em particular José Bonifácio, reprovavam a atitude do jovem imperador, que consideravam comprometedora da imagem do novo Império no exterior. A morte de dona Leopoldina, no final de 1826, aos 29 anos, obrigou D. Pedro a tomar certos cuidados, pois não faltaram manifestações acusando Domitila de ter envenenado a imperatriz. A própria Leopoldina se queixara, em carta ao pai, que o marido a maltratava “na presença daquela que é causa de todas as minhas desgraças”. Insultos, ameaças, proibições de entrar no palácio e mesmo uma tentativa de linchamento revelam a reação dos moradores do Rio à presença da concubina.
Assinado, em 1829, o contrato de casamento com a princesa alemã Amélia de Leutchemberg, segunda esposa de D. Pedro, pôs um fim ao caso.
– Mary del Priore
Carlota Joaquina e D. João VI
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