Por Mary del Priore.
Nunca fiz propaganda eleitoral em sala de aula. Minha militância sempre esteve a serviço, não da política, mas da História. Por isso mesmo, uma vez acabadas as eleições quero chamar os colegas a uma tarefa: tocar tambores pela valorização de nossa disciplina. E tocá-los com vigor. Tocá-los bem alto para que sejamos ouvidos.
Quando viajo pelo país, mais e mais encontro jovens historiadores – Fernandos, Carolinas, Elaines, Carlos – preocupados com seu futuro. Acabada a faculdade, o que fazer? Em outras palavras: como pagar as contas? Como exercer o ofício que nos apaixona, sem nos torturarmos, correndo de uma escola para outra, em busca de migalhas salariais?
A questão preocupa, pois quem escolhe fazer história, com honrosas exceções, gosta de “conversar com os mortos” – definição de Robert Darnton para a disciplina. E isso num país, onde os vivos parecem alheios ao passado. Um passado que nos modelou e explica, em grande parte, quem somos.
Para os políticos, ele parece não existir. A sensação que dão é que estamos sempre começando um tempo novo. Onde a memória, as velharias, o “antigo” – como a maioria percebe a História – parece não ter o que lhes dizer. Querem nos esquecer, pois somos, nós, os historiadores, os guardiões desse passado! Quando há roubo e corrupção nos vários escalões da sociedade, que alívio, a perda de um arquivo! Afinal, é a memória daquele momento que se enterra. Silêncio, ninguém vai saber…
O problema é que não temos ninguém por nós. A imensa maioria que não está inserida profissionalmente, só pode contar com sua criatividade. Alheia a tudo, a olímpica Universidade oferece sempre a mesma grade de disciplinas, sem se dar conta que o mundo mudou e que historiadores têm que estar preparados para enfrentá-lo. Como fazer história em tempos de internet, WEB e redes? Como transmitir conhecimentos engessados pelo Vestibular?
Em 1979, Jacques Le Goff, falecido neste ano, apresentou a agenda para o que ficou chamado de “Nova História”. Passados trinta e cinco anos, não será o momento de reinventarmos um lugar para o historiador, afinado com as exigências do século XXI? Vamos reinventar nosso papel, função e agenda na sociedade brasileira, exigindo espaço, respeito, remuneração digna para nosso ofício por uma simples razão: se não soubermos quem fomos, jamais saberemos quem somos.
É preciso construir um espaço de discussão e propostas para a comunidade educativa e o grande público. Será necessário discutir desde programas, práticas e epistemologia da disciplina. E, também, confrontar trabalhos análises e testemunhos daqueles que vivem o dia a dia do pesquisador ou do professor, tendo como objetivo uma nova organização para o ensino e a transmissão da História.
Convido a todos os historiadores profissionais ou amadores a se responsabilizar por nossa história. Responsabilizar-se, etimologicamente falando, é dar uma resposta, é ser garantia, é prometer, é engajar-se. Engajar-se para o Outro, para a comunidade dos Outros. É responder presente com uma presença viva – logo concreta e mortal – uma presença imperfeita. É saber que tal responsabilidade não é o contrário da liberdade, mas sua condição mesma. Vamos lutar por nosso ofício e buscar em nossa herança cultural e história os elementos capazes de nos ajudar a atravessar a crise em que está imerso esquecimento de nossa disciplina. E que devemos fazê-lo para sustentar, pelo menos, a responsabilidade que pertence a cada um de nós.
Professora, muito concordo e já tento mudar isto em minhas aulas e pesquisas. Na verdade eu uno o meu mundo acadêmico com minhas aulas. Acabei de fechar um projeto em que alunos de 9 ANO elaboraram artigos científicos, enfrentaram banca e tiveram viagens e aulas práticas. Porém devemos repensar exatamente em como transmitir e principalmente valorizar nossa profissão: Vídeo Oficial do Projeto Identidade Sustentável Educacional do IPHAR, editado e com a parte final das bancas e certificação! Valeu jovens formados!
https://www.youtube.com/watch?v=ghe5cEHvuHs&feature=youtu.be
Várias pessoas e organizações estão engajadas em defesa da história, por diferentes formas. Porque não recuperar a própria história dessas pessoas e organizações e, em conjunto, fazer e/ou continuar essa luta?
Sou psicóloga e arteterapeuta, mas tb sou formada em comunicação social. Sou uma apaixonada por história. Conhecer história é ampliar sua compreensão do mundo em todas as áreas… História é vida…mesmo quando estudamos o passado entendemos o nosso presente. Parabéns pelo artigo! Sou uma admiradora do seu trabalho e de suas idéias.
Querida Mary: Você, sempre lúcida e esclarecedora.
O texto da historiadora Mary Del Priore, colega de profissão, reforça muito as minhas inquietações. Contribuo na formação de historiadores como docente e orientador faz 5 anos. Nesse processo vejo alunos com imenso potencial que ingressam na Universidade repletos de entusiasmo, sonhos, desejos e, sobretudo, amor pela disciplina. Porém, alguns acabam perdendo o brilho nos olhos e o entusiasmo vira apatia. Eles não deixaram de amar a disciplina, ler, discutir, mas desanimam-se com os problemas levantados por Priore. Claro que a maior parte segue firme no caminho da retidão, tem prazer em dar voz, gestos e cores ao passado, de várias formas, com perspectivas que, por vezes, surpreendem. Tanto para os que desanimam quanto para os que perseveram a chamada a luta feita pela historiadora é fundamental, mais do que isso, é um chamado para o não esquecimento, para a defesa da memória. Como diz o historiador catalão Jaume Aurell, o “historiador é o guardião da memória”. Na definição do dicionário Houaiss, guardião é “pessoa que, por forte afeição, defende aguerridamente algo ou alguém; protetor, conservador, depositário”.
No século XXI, nos tempos da hiperconectividade, comunicar-se com os públicos é tarefa imprescindível para os historiadores. Pensando nisso, em conjunto com o também historiador Marcelo Silva, me aventurei na tarefa de falar sobre História para um público amplo de forma a despertar o interesse, em um primeiro momento, e, posteriormente, fazer com que as pessoas compreendam a importância e a relevância do conhecimento histórico em suas vidas. Para verem sua própria historicidade.
Essa aventura se dá pela gravação e divulgação de um Podcast – produto similar aos de rádio, porém, trabalhado na linguagem da internet e possível de ser ouvido por demanda e em qualquer dispositivo que rode um arquivo mp3. O Podcast intitula-se Fronteiras no Tempo. Tomo a liberdade de divulgar o link de 2 dos 3 episódios publicados até o momento.
Episódio 2 – Por que conhecer a História?
http://fronteirasnotempo.com/ep2-por-que-conhecer-a-historia/
Episódio 3 – Crime e Castigo na História
http://fronteirasnotempo.com/ep3-crime-e-castigo-na-historia/
Olá…só uma contribuição….Le Goff faleceu no dia 1 de abril deste ano (2014).
Obrigada, informação corrigida.
“Educar é ensinar a pensar sozinho!” (Sociedade dos Poetas Mortos).
Você assinalou no seu texto um fato grave:
Para os políticos, ele [o passado] parece não existir. A sensação que dão é que estamos sempre começando um tempo novo. Onde a memória, as velharias, o “antigo” – como a maioria percebe a História – parece não ter o que lhes dizer. Querem nos esquecer, pois somos, nós, os historiadores, os guardiões desse passado! vem se repetindo no Brasil há anos:”
Pensando assim, os políticos se acham no direito de ir destruindo a memória das cidades, derrubando monumentos, deixando outros morrerem por falta de conservação e por aí vai.
Muito boa a sua convocação,para a valorização da história.
Parabéns.
Acabo de chegar em casa, depois de um dia dr trsbalho como professora de 15 turmas de 2° e 3° anos do ensino médio da rede pública do DF. Revigorada depois de ler esse artigo.
Preza Mary: Acompanho seu trabalho desde os tempos da minha graduação (tardia pois ingressei na universidade aos 41 anos de idade). Hoje sou professor da rede pública estadual e faço mestrado em História e Regiões. Atualalmente lidero o movimento para criação do Instituto Histórico e Geográfico de São Mateus do Sul-Pr., justamente pelas razões que você expôe. Nossa história está se perdendo no tempo e não quero que isso aconteça. A fundação do Instituto está marcada para o dia 19 de dezembro próximo e desde já você é nossa convidada. Obrigado pelas palavras sábias e de incentivo. Prof. Mário Deina
Cara senhora, gostei muito de seu texto, não sou historiador, apenas um contador de histórias, mas em meus blogs procuro preservar um pouco da história do automobilismo. É interessante como hoje mais de 30 anos após abandonar as pistas descobri pessoas/fãs que nos viram correr, meus amigos, os grandes pilotos, alguns grandes amigos grandes pilotos e ídolos de muitos, e ainda guardam na memoria fatos que leram, assistiram na TV ou viram de perto!
Obrigado
Rui Amaral Jr
Excelente artigo! Para um país que sempre viveu de histórias “oficiais” que ao sabor do momento eram contadas como verdades, devemos agradecer ao trabalho insano de pesquisadores, historiadores – amadores ou não – que com sua pertinácia contribuíram muito para a verdadeira história brasileira. Salve e salvas para as Mary, Hebes, Marias, e todos que dignificam esta maravilhosa profissão.
Salve Professora,
Seu artigo nos conduz diretamente à um pedaço da falta de incentivo generalizado à educação no Brasil. Ai de nós se não fossem vocês, abnegados mestres e historiadores por nos ensinar e fazer compreender que a História é a mãe de nosso presente, promotora de um futuro mais eficiente e menos recorrente de velhas práticas desumanas. Quem não conhece seu passado revive pesadelos, sepulta boas idéias !
Essa matéria me chamou atenção para a questão do historoador e professor de História na atualidade. Me pergunto: “quem somos? Qual o nosso papel enquanto guardiões da memória e qual é nossa importância na vida da sociedade do século XXI?.
O certo é que quanto mais iluminarem as trevas do passado, mais aprenderemos com o futuro. Agraço aos pais da Mary, por ela ter nascido , e ela se tornando uma das historiadoras mais competentes e admiradas que conheço.
Muito obrigado, Mary, pelo artigo de hoje, e por tudo que você tem feito pela popularização da História do Brasil.
Milhares de brasileiros estão mais interessados pela nossa história graças à sua abordagem original e cativante. La Fontaine já dizia: a melhor maneira de educar é através do prazer. O prazer da leitura leve, inteligente e educativa, como a sua.
Que ela continue a despertar a nossa mémória, ajudando-nos a construir um país melhor, solidamente baseado nas lições do passado.
Um grande abraço,
Maurício Torres Assumpção
A História do Brasil nas Ruas de Paris