O Carnaval colocava em cena a sexualidade posta de lado, no restante do ano. A Praça Onze, no Rio de Janeiro, ponto alto do encontro de camadas populares promovia uma festa de “gritos e urros”, segundo observadores, ao som de cuícas e pandeiros, onde morenas requebravam “como gatas, felinas e maliciosas, tentando branco e preto, louro e moreno, dançando e rodopiando”, descrevia o jornal O Radical em 1933. Não escapou a Graça Aranha, escritor e diplomata, idealizador da Semana de 22 em São Paulo, as diferenças entre o carnaval de rua e aquele dos clubes fechados. No primeiro, triunfava a negra e a mulata: “Fura a imobilidade um grupo de baianas, dançando, cantando, saracoteando a grossa luxúria negra, seguidas por gorilas assanhados de beiços compridos, tocando pandeiros, pulando lascivos”.
Já nos bailes fechados, atos abomináveis se multiplicavam. Éter e cocaína rolavam. Mulheres, passando dos 50 atracavam-se com “rapazelhos de 18”. Noivas esqueciam o compromisso e pulavam nos braços de outros. Não faltava o choro envergonhado da mocinha de boa família, apalpada ou espalmada. Problema dela, afinal estava vestida de “gigolette”, prostituta parisiense das mais reles. A poetisa Cecília Meirelles explicava a opção da fantasia que revelava mais do que escondia: “senhoras tranquilas sofrem silenciosamente o ano inteiro só com a esperança de aparecerem no carnaval, vestidas de gigolettes”. Cronistas acusavam a promiscuidade reinante nos melhores ambientes, levando senhoras casadas a se comportarem como prostitutas:
“muitas são as damas finas que se nivelam as hetairas nos clubes, nos bailes, nos três dias de orgia carnavalesca. Terminada a festa, porém, as prostitutas continuam no seu triste mister; as elegantes, decaídas eventuais, tornam aos seus lares, tomam parte em ligas contra o álcool, deitam o verbo fulminando contra o vício”, denunciava a Revista Policial, em 1927.
Ou a Fon-Fon:
“meninas pudicas que não fumam, não bebem, não vão se quer sozinhas ao cinema, nos dias de carnaval, entram num café barato como qualquer homem, bebem com um simples desconhecido, praticam toda a espécie de loucura, satisfazem a todos os desejos de liberdade”. Já as esposas “que vivem para os filhos”, essas podiam ser encontradas no High-Life, no Bola-Preta…”.
Nos anos 50, a cobertura de revistas como O Cruzeiro sublinhava as transgressões femininas. “O movimentado carnaval de três garotas, os bailes, as festas, as brincadeiras e o que aconteceu quando elas resolveram galgar no Trono de Sua Majestade Momo” era título de matéria fartamente documentada com fotos em que, fantasiadas de dançarinas de can-can, com saias curtíssimas, moças posavam em todas as posições. Outra reportagem tinha como tema a farta difusão de beijos durante as festas de Momo. O título era “Beijos no Carnaval” e o autor explicava:
“O caso é que no Carnaval o beijo impera livremente. Todos, ou quase todos se beijam. Não há malícia creiam. A hipnose musical e os efeitos do álcool agem profundamente na personalidade de cada um. Parece que todos ficam mais simples, mais espontâneos. E beijam. Principalmente nos bailes. Beijos roubados, beijos apaixonados, beijinhos, beijos espetaculares. É o amor. É o retorno à simplicidade. Não procurem o lado escandaloso, nestas fotografias. O que há aqui é vida. Vida em uma das suas mais ricas manifestações.”
E seguiam-se fotos e mais fotos de beijos…
O carnaval era visto como uma festa perigosa, depravada, na qual “as ligações mais secretas transparecem, em que a virgindade é dúbia e inútil, a honra uma caceteação, o bom senso uma fadiga”. O dramaturgo e ator, Mario Lago, em suas memórias, mencionou os namoricos e coisas “mais consequentes” que nasciam nesses dias. O desejo, sobretudo o feminino, engessado pelos bons costumes durante do ano, explodia nas fantasias e comportamentos espontâneos. Era “sem vergonhismo” puro, no entender de alguns. Caminhada para a liberdade, no de outros.- Mary del Priore, em “Histórias Íntimas”.
Cobertura da Imprensa ao Carnaval: “O Cruzeiro”.