Cafés, livros e teatros – a influência francesa no Brasil

Radicados ou não entre nós, os franceses não se dedicaram apenas ao comércio de produtos de consumo de luxo, mas tiveram grande participação no desenvolvimento das letras, principalmente entre o Primeiro e o Segundo Reinados. A eles ficamos devendo, não apenas a circulação de livros e jornais em francês, mas  “as primeiras livrarias e bons encadernadores”, segundo Gastão Cruls.

Os livros franceses eram alugados ou comprados, encadernados e depois, longamente discutidos. E as discussões se faziam nos cafés. Tais casas comerciais – quem informa é Delso Renault – reuniam os conversadores e os boateiros, substituindo a “botica” ou “a casa do barbeiro”, que fora, até os fins do século XVIII, o ponto de reunião masculina. O Café de l´ Univers, pegado ao teatro São Pedro, por exemplo, tinha serventes franceses, responsáveis, também, por marcar o bilhar, passatempo francês rapidamente incorporado pelos cariocas. No Café Neuville, situado no largo do Paço, encontravam-se os homens de letras e livros. O Café du Nord situava-se na Rua do Carmo. Ali, jogavam-se cartas lindamente decoradas a dinheiro e, como os livros, vindas da França. O hábito, ou melhor, o “vício” era visto com maus olhos pela Igreja.

Os paradigmas culturais da terra de Voltaire influenciaram mesmo a instalação de editores vindos do Hexágono. Em 1827, é a vez dos irmãos Eduard e Heinrich Laemmert, representantes  da editora francesa Bossange e responsáveis, a seguir, pela criação da E&H Laemmert Mercadores de Livros e Música. Cinco anos mais tarde, Baptiste-Louis Garnier desembarcou na cidade. Ele trazia na bagagem a ideia de um novo e ambicioso comércio jornalístico assim como a da constituição de um mercado editorial. Foi o primeiro a contratar redatores, revisores e tradutores pagos e a lançar clássicos do Barroco ou do Arcadismo em língua portuguesa. Foi, igualmente, pioneiro em manter o preço de capa fixo, e mais importante, de mirar um público alvo, um público leitor: as mulheres.

Em 1862, Garnier fundou o Jornal das Famílias, fez de Machado de Assis um dos seus colaboradores principais. É dele a definição do conteúdo da folha: “mil nadas tão necessários ao reino do bom tom”! Com habilidade, Garnier escolhia apenas autores consagrados como Balzac, Dickens, Walter Scott, Oscar Wilde e Alexandre Dumas. Entre os nacionais, publicou Macedo, Alencar, Bilac, Nabuco, Veríssimo e, com certeza, Machado.

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Hábitos e leituras abriam caminho para o romantismo francês – que vai atingir sua expressão mais forte por volta de 1840 – na voz de poetas, escritores e dramaturgos. Se na mesma época, a literatura deixava de ser um reflexo das letras portuguesas, fazendo lugar para os assuntos nacionais, continuava-se a ler e a admirar Victor Hugo, Lamartine e Musset. Em 1844, eram dez as livrarias e doze tipografias, encarregadas de atualizar o gosto literário. Dez anos mais tarde, o casal imperial dava exemplo aos membros da Corte, lendo em francês. A imperatriz Teresa Cristina recebia de Paris, caixotes de livros enviados pela Duquesa de Berry. E para o Imperador, D. Pedro II, vinham os exemplares da Revue des Deux Mondes.

Mas não era só através da literatura que a França se fazia presente. O teatro e a confeitaria foram outras duas modas que “pegaram”. O diretor da Sociedade Dramática Francesa, que se apresentava ativamente no palco do “Théatre Français” avisava aos leitores  dos jornais que os ingressos para a “soirée qui aura lieu demain Dimanche 10 mai, 1835, seront distribués aujoudhui”. Ao final da peça, os espectadores corriam à Déroche para tomar sorvete, “cognacs” ou uma “coupe de champagne”. Na década de 40, o “vaudeville”, gênero de comédias ligeiras, desembarcou entre nós.

Livro nas mãos, o “gamenho” – nome que se dava ao almofadinha ou ao “dandy”– dirigia- se para os principais pontos de encontro, então: os cafés-literários ou o “cafedório” como eram chamados na Belle Époque: o Café do Rio, no cruzamento da rua do Ouvidor com a rua Gonçalves Dias; o Java, no Largo de São Francisco; o Paris, o Globo. No café Jeremias ou na Americana reuniam-se os “rapazes instruídos”, entre os quais Lima Barreto. Já no Papagaio, os freqüentadores entre os quais Bastos Tigre, só consumiam café. Não tinham dinheiro para a “virgem loura” – a cerveja – e muito menos, para o whisky, bebida que começava a se incorporar aos hábitos urbanos e mundanos.

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Outro ponto de predileção das celebridades literárias e de seus leitores, eram as confeitarias Colombo e Pascoal. Ali se consumia a “musa” ou “fada verde”, o absinto e devoravam-se empadas com apetite. Foi ali que certa tarde, João do Rio, ainda garoto ouviu certa senhora de sociedade, a baronesa de Mamanguape dirigir-se a uma fisionomia simpática: “Sr. Olavo Bilac…”.  Ambas as casas abriam para “aperitivos” às três da tarde.

Ambas as confeitarias abasteciam os banquetes oferecidos pelo barão do Rio Branco – um gourmand et gourmet – cujos menus eram invariavelmente franceses: boeuf bourguignon, fois gras, cassoulet, bouillabesse. No item originalidade a Pascoal era imbatível: produzia pratos ornamentados com flores e frutas tropicais.

Na esteira de crescentes hábitos de sociabilidade masculina, alimentados por modismos franceses, o Rio passa a ganhar mais e mais cafés e botequins, alguns descritos por João do Rio como “bodegas reles, lugares bizarros”. Intrigou o jornalista certa placa com as iniciais em maiúsculas: “BTQ”. Eram as iniciais de botequim, uma invenção carioca – segundo Carlos Kessel e Mônica Tambelli. Nascia entre nós um hábito detectado por historiadores na Europa, à mesma época: o bebedor solitário. A imagem foi explorada na pintura por artistas pós-impressionistas, Henri de Toulouse-Lautrec entre outros.

Além dos cafés – quem nos conta é Brito Broca – as livrarias eram outro espaço de sociabilidade masculina. A mais importante, a “Garnier”, fora apelidada de “A sublime Porta”, em alusão à Istambul, na Turquia,  via de entrada para a Ásia de múltiplas riquezas. Adentrá-la causava “frissom” – ! Amontoados, erguiam-se os volumes que “venaient de paraître”. Entre as estantes “flanava-se” – do francês “flanêr” ou deambular, palavra de origem normanda que entrou no vocabulário a partir do início do século XIX momento em que se multiplicam os rentistas e indivíduos que viviam de sinecuras, sobrando-lhes tempo para passear. Trocavam-se “blagues”. “Frissons, blagues e flanêries” incorporavam-se ao cotidiano. Ali, se posava para a eternidade, segundo um contemporâneo, pois a livraria funcionava como uma extensão da Academia Brasileira de Letras.

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A livraria reunia Machado de Assis, José Veríssimo, Coelho Neto, Taunay entre outros, e fazendo jus aos princípios de fraternité et egalité, grupos de simbolistas, anarquistas e socialistas. Rutzkaia Reis lembra ainda que, considerada a responsável pelo desenvolvimento editorial brasileiro, ela tinha no andar térreo dois extensos balcões de madeira polida separando as estantes de livros de 12 cadeiras que serviam aos informais debates literários, conduzidos à tarde por Machado de Assis. Eram as chamadas “cadeiras dos doze apóstolos” – somente a do “bruxo do Cosme Velho” era cativa.

A Livraria Quaresma também recebia notáveis e abrigava menos fuxicos do que a concorrente. Na Briguiet, reuniam-se os grandes do extinto império brasileiro e a Laemmertz se notabilizara por editar Euclides da Cunha. Na Livraria Azevedo, encontravam-se os gramáticos e professores, Carlos de Laet, entre outros.

Mas não era só na grande literatura que mergulhavam os leitores da época. Nesse momento, começaram a circular os chamados “livros para homens”, eufemismo para textos pornográficos. – Mary del Priore

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“Pátio Noturno do Café”, de Vincent Van Gogh; confeitaria Colombo, no Rio.

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