O castelo que guarda as lágrimas da princesa Isabel

Por Tércio Amaral.

“Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá (…)

Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;

Sem que disfrute os primores

Que não encontro por cá;

Sem qu’inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá.” (Primeiros cantos, Gonçalves Dias – 1847)

 Em um dos seus aniversários, no exílio, a princesa Isabel (1846-1921) contou com uma surpresa inesperada: uma de suas netas, a também Isabel de Orléans e Bragança – Condessa de Paris (1911-2003), decorou, a pedido dos pais, a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, para celebrar mais um ano de vida da filha mais velha e herdeira do imperador d. Pedro II (1825-1891). A canção, no entanto, não trouxe a alegria esperada e a princesa começou a chorar. Mais: sua neta guardou em suas memórias que foi neste dia que viu, pela primeira vez, um adulto chorando. “A princesa Isabel olha-me com seus bons olhos azuis, tão claros e sorridente, inicialmente tão encorajadores e depois, repentinamente, cheios de lágrimas… Eu estava consternada porque acreditava ter-lhe causado um mal. Não sabia o que o exílio podia fazer chorar”, assinalou a Condessa de Paris.

Registros de sofrimento como esse fazem parte da história do exílio da Família Imperial do Brasil, impedida de entrar no país entre os anos de 1889 a 1920, e teve como pano de fundo o Castelo d’Eu, no Norte da França, então casa de campo dos príncipes brasileiros. O“efeito negativo” dos versos de Gonçalves Dias foram documentados na autobiografia “De todo o coração”,  de Isabel de Orléans e Bragança – Condesse de Paris, uma das netas da princesa Isabel que narra, em suas memórias, o cotidiano da família. No texto, há a indicação do local onde a princesa chorou, mais precisamente na capela do Castelo d’Eu, que até hoje guarda lembranças do período em que tanto ela como o seu marido, o príncipe francês Gastão de Orléans – Conde d’Eu (1842-1922), viveram afastados do Brasil até o fim de suas vidas. É lá, no Norte da França, no entanto, que a história dos Orléans e Bragança é velada por moradores da cidade de Eu e pouco conhecida no roteiro turístico dos brasileiros na Europa.

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Atualmente, o Castelo d’Eu está desmembrado em diversos setores. A casa principal, onde morou a princesa Isabel e o Conde d’Eu, é sede do museu Luís Filipe (1773-1850), rei da França entre anos de 1830 a 1848, e da prefeitura de Eu. Na parte dedicada ao museu, algumas referências fazem ao período em que a Família Imperial do Brasil passou seu exílio, como o quarto da princesa Isabel, conhecido como o “quarto dourado”, numa tradução livre do francês. A decoração do espaço é do século 17, todo original, escapando, inclusive, do incêndio que o castelo sofreu no início do século 20. Também figura entre as peças principais da instituição uma carruagem do rei d. João VI, de Portugal e do Brasil. A peça é banhada a ouro, foi herança do avô da princesa Isabel, veio no exílio, mas ficou na cidade. O rei Luís Filipe, que foi dono da propriedade, era avô do Conde d’Eu.

“O Castelo d’Eu é um espaço que traz muita emoção a nossa família. Foi nesse castelo que documentos e objetos pessoais da família imperial ficaram guardados até ser permitida a nossa entrada no Brasil”, diz o príncipe e fotógrafo d. João Henrique de Orléans e Bragança, bisneto da princesa Isabel, ao História Hoje, por telefone. As peças que ele se refere são retratos, móveis e até documentos, como cartas de d. Pedro II, da princesa Isabel e do Conde d’Eu que ficaram guardadas no castelo e encontram-se disponíveis, em parte, no acervo do Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro, fazendo parte do famoso “Arquivo Grão-Pará”. O castelo, que foi palco de tristezas e de choro, também traz boas histórias aos descendentes dos imperadores brasileiros. Era lá que a princesa Isabel recebia visitantes brasileiros, como o aviador Santos Dumont (1873-1932). A princesa foi uma das grandes incentivadoras das suas invenções.

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“Mas de todos os personagens insólitos que visitavam minha avó, o que mais me agradava era M. White. Esse negro de cabelos espessos e brancos, penteado como o general Dourakine, com grossos e tufos acima das orelhas, era violinista e a acompanhava a condessa d’Eu (a princesa Isabel) ao piano, ou melhor, era a condessa d’Eu que acompanhava M. White ao piano… Acho que era realmente um virtuose. Vinha, em todo caso, várias vezes ao mês, e durante horas ouvia-se a música vinda do salão onde ninguém tinha o direito de entrar. Somente as crianças, de vez em quando, possuíam permissão de penetrar nesse santuário”, destaca a Condessa de Paris no seu livro de memórias. Esse tipo de relato, no entanto, não está disponível na visita guiada do Museu Luís Filipe, mas é possível comprar livros sobre a família imperial do Brasil e até uma pequena biografia comentada da Condessa de Paris, fundadora da Associação dos Amigos do Museu Luís Filipe.

O melhor forma de seguir de Paris até a cidade de Eu é o trem. São três horas de viagem. Algumas paisagens chamam a atenção. É o “interior” da França. Flores, criação de animais e, sobretudo, muitas árvores. Ao chegar na cidade, ser brasileiro é uma espécie de “passaporte”. Os moradores da pequena cidade de Eu fazem questão de afirmar que foi lá que uma “princesa brasileira” viveu. Do Castelo d’Eu, por exemplo, há uma lembrança curiosa. Lá funciona um restaurante conhecido na cidade cujo nome é “Le Bragance”, isso em homenagem ao filho mais velho da princesa Isabel, o príncipe d. Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança (1875-1940), que herdou o castelo após a morte dos pais. Foi em Eu, Paris e em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, que d. Pedro de Alcântara, que herdaria o trono brasileiro caso o Brasil ainda adotasse o sistema monárquico de governo, criou seus seis filhos: Isabel (1911-2003), Pedro Gastão (1913-2007), Maria Francisca (1914-1968), João Maria (1916-2005) e Teresa Teodora (1919-2011).

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Em “O Castelo de Papel”, a biografia cruzada da princesa Isabel e do Conde d’Eu, a historiadora Mary del Priore, narra que o casal comprou a propriedade em 1905. “O campo estava na moda entre a aristocratas. A cidade era para burgueses. Três anos antes, a enorme casa construída no século 16 tinha se incendiado. ‘Contamos refazer o exterior. Quanto ao interior, só nos ocuparemos da capela, o resto não sendo necessário, é muito dispendioso restaurar’, escrevia Isabel à amiga Amandinha Loreto”, narra o livro. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), com a faixa da Cruz Vermelha no braço, o conde d’Eu atenderia dezenas de soldados feridos no extenso front que ia dos Vosges a Flandres. A princesa Isabel assumiu as chamadas “cozinhas econômicas” que alimentava os deserdados no conflito. Uma nova história se configurava no castelo do rei Luís Filipe, o mesmo castelo que foi palco de festas quando recebeu, por duas ocasiões, a rainha Vitória de Saxe-Coburgo (1819-1901), dos ingleses.

A Família Imperial Brasileira ainda mantém vínculos com o Castelo d’Eu. Dois bisnetos da princesa Isabel e do conde d’Eu possuem as terras da propriedade e mantém dois pavilhões. O príncipe Jacques de Orléans e Bragança é dono do Pavilhão de Montpensier, espaço onde a princesa Isabel, marido, filhos e netos, consumia “café preto” e chá nos finais de tarde. Já o irmão de Jacques, o príncipe Michel, mantém a Maison du Jardinier (Casa do Jardineiro, na tradução do francês), convertida em casa de campo. A mãe dos príncipes, a Condessa de Paris, neta da princesa Isabel, manteve fortes ligações com o castelo. Esquecendo as lágrimas do passado, transformava o local em um espaço de comemorações, como em seus aniversários, sempre celebrados na propriedades de seus avós e príncipes brasileiros.

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Fachada do palácio; carruagem de D. João VI; quarto da princesa Isabel. (fotos: Tércio Amaral).

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