Bailes, bailados, soirées e saraus: regras e diversão

         Em 1881, a palavra “baila” designava uma reunião festiva em que se bailava. “Bailada” era um baile popular, “Bailado”, um sinônimo para fandango, “bailarico”, uma festa familiar, e “baileco”, um folguedo de má qualidade. As “partidas” ou reuniões noturnas, moda importada de Paris onde recebeu o nome inglês de “rout”, congregavam levas enormes de convidados, vestidos na última moda, para uma reunião mundana. Ali, copo à mão, se conversava. O objetivo? Ver e ser visto. “Fui passar a noite na casa de X…”, significava ter ido a uma partida. Quando reunia pouca gente, e menos tumultuosa, era a “soirée”: na definição de J. I. Roquette: “uma divisão do tempo em que a maior parte da gente, tendo preenchido suas ocupações e deveres, busca desafogo e desenfado na conversação e trato de pessoas estimáveis”.

        Antes, esse era o simples “serão”, palavra, agora descartada, pois que andava na “boca do vulgo”. Desde 1866, surgiram os “saraus”. Neles, segundo Roquette prevalecia a “conversação de pessoas bem-criadas”. Quando alguém falasse, os outros ouviam. Os assuntos deveriam ser sempre “decentes e honestos”. Nunca levantar a voz ou fazê-lo com gestos espalhafatosos. Querer “ter razão” levaria o interlocutor ao “mortal aborrecimento”.

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        Para frequentar bailes, regras tinham que ser respeitadas. Os rapazes deveriam se colocar à disposição da senhora da casa para dançar com as “abandonadas”; “senhoras desprovidas de formosura e riquezas”, explicava Roquette. Ao convidar qualquer dama para dançar, nunca dizer “pode me dar o prazer desta dança? ”, mas sim, “pode me dar a honra desta dança? ”. A palavra prazer poderia revelar segundas intenções! Nunca oferecer a palma da mão, mas as costas: “porque a da senhora não deve assentar na do cavalheiro, mas repousar sobre ela”. Para as moças, era obrigatório respeitar a ordem das contradanças, nunca passando qualquer cavalheiro a frente de outro, fosse ele “velho, feio ou coxo”. Que deixassem as “apressadas” começar as quadrilhas, pois a “vaidade custa muito”. E Roquette advertia: a música, as luzes, “o contato com pessoas de diferente sexo” podia levar a alegria a se “tornar ruidosa, descomedida”. Isso, nunca! Conversar com um cavalheiro desconhecido durante a dança? Também, descartado. A dama deve apenas responder às perguntas, de “modo grave”. Evitar a todo custo maledicências e a companhia de “escarniçadeiras” – fofoqueiras. As luvas só eram retiradas na hora de comer. Abraços e beijos mesmo com as melhores amigas eram de “mau tom”. Falar sempre baixo e evitar “qualquer defeito ou ridículo” em si mesma, era regra fundamental.

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       De fato, como gravou José de Alencar sobre a vida carioca, “A Corte tem mil seduções que arrebatam um provinciano aos seus hábitos […] assim me aconteceu. Reuniões, teatros, apresentações às notabilidades políticas, literárias e financeiras de um e outro sexo; passeios aos arrabaldes, visitas de cerimônia; jantares obrigados […] Depois, conquistei os foros de cortesão e o direito de aborrecer-me à vontade”.

        Festas esplêndidas entravam noite adentro. No romance Diva, Alencar descreve ao aniversário de certo Sr. Duarte: “A festa começou de manhã e acabou em um baile esplêndido ao alvorecer do dia seguinte. À noite, uma cascata de luz, borbotando dos salões despenhou-se pelos jardins e alamedas da chácara. Que magnificências de luxo, que pompas a natureza e a arte não derramavam sobre aquela festa noturna”.

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         E na vida real, também. O aniversário do Conselheiro Antônio Prado, liberal progressista e abolicionista foi festejado com girândolas de fogo, dez bandas de música, fogos de bengala, “préstito imponente que durou uma hora” e uma multidão à porta de sua casa que o recebeu com “estrondosa ovação” e o homenageou com um presente: um obelisco de ouro. Rua e casa festejavam juntos, a vida desse brilhante político que tanto fez por São Paulo.

       A historiadora Ana Carolina Soares esclareceu que era esse um momento de deslumbramento da sociedade com as novas possibilidades de atividades sociais e culturais. As pessoas passavam a ocupar espaços públicos, quando outrora viviam no espaço privado. Esta chamada “boa sociedade” constituía-se num círculo restrito com sutis gradações em seu interior, mesclando diferentes poderes. Inúmeras vezes um encontro social ocorria apenas para fortalecer alianças político-econômicas ou culturais. E José Murilo de Carvalho a lembrar que essa elite frequentadora de bailes e saraus não era composta por membros da nobreza hereditária, mas, de pessoas que possuíam uma mesma homogeneidade por ter sido educada nas mesmas instituições ou por exercer as mesmas funções profissionais: funcionalismo público, clero, advocacia, medicina.

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      O palco para tais representações era o “salão”. Pois nele, como disse o memorialista Wanderley Pinho, “esmeravam-se várias artes: a de receber ou preparar um ambiente de cordialidade e espírito; a de entreter a palestra ou cultivar o humour; dançar uma valsa ou cantar uma ária, declamar ou inspirar versos, criticar com graça e sem maledicência, realçar a beleza feminina nas últimas invenções da moda”. Salão onde se definiam alianças, se agenciavam casamentos, crucificavam-se inimigos. Todo um ritual de convites e confirmações selecionava quem ia aonde.

        E na dança de salão, notadamente na valsa, confirmava-se outra regra social: era o homem quem, no privado ou no público, conduzia a mulher: “Esse enlevo inocente da dança, entrega a mulher palpitante, inebriada, às tentações do cavalheiro, delicado, mas, homem, que ela sem querer está provocando com o casto requebro do seu talhe”, pintava Alencar em seu romance Senhora. Já o cronista maranhense Joafnas ou João Affonso do Nascimento, colaborador da Folha do Norte de explicava que enquanto as polcas puladas, as mazurcas e o schottish iam deserdando das reuniões familiares, a chamada valsa inglesa, feita de velozes galopes e rodopios frenéticos competia com a valsa americana, em que “os casais deslizavam maciamente em caprichosas evoluções, semelhantes a dos patinadores”.

  • Texto de Mary del Priore. “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)”, Editora LeYa, 2016.
  • Imagens: Auguste Renoir, 1882; Baile na alta sociedade, Jean Beraud.
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  1. MARIA CARMEMCORTES MAGALHÃES

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