No passado ou hoje, a feiura é desvalorizada. E, ainda mais, a feiura associada à velhice. As cantigas medievais portuguesas de escárnio e mal dizer não poupavam as “feas, velhas e sandias”, ou seja, as feias, velhas e malucas. Um renomeado poeta, Pero da Ponte dizia sem pudores que não se dava às vacas velhas, o mesmo tratamento das novilhas novas. No cancioneiro popular, o rosto feminino enrugado era comparável ao traseiro e ai daquelas que pintassem “cu” e rosto com alvaiade!
Qualquer tentativa de esconder a idade ou a má aparência era ridicularizada. Orelhas enrugadas, pele escura, sobrancelhas que cobrissem os olhos, pelos em bigode ou barba feminina, pés grandes, maçãs encovadas, barriga mole e seios fartos demais arma a antítese da beleza juvenil. Após os trinta anos, como diria o poeta baiano Gregório de Mattos, à certa “Discreta, e formosíssima Maria”, a beleza se esvanecia:
“Enquanto estamos vendo claramente
Na vossa ardente vista o sol ardente,
E na rosada face a Aurora fria:
Enquanto pois produz, enquanto cria
Essa esfera gentil, mina excelente
No cabelo o metal mais reluzente,
E na boca a mais fina pedraria:
Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura.
Que passado o zênite da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade”
Um dos fundadores da Austrália, de passagem pelo Rio de Janeiro em 1787, legou-nos, também sua impressão de que o tempo era cruel com as mulheres:
“As mulheres, antes da idade de casar, são magras, pálidas e delicadas. Depois de casadas, tornam-se robustas, sem, contudo, perder a palidez, ou melhor, certa cor esverdeada. Ela tem os dentes muito bonitos e melhor tratados do que a maioria das mulheres que habita países quentes, onde o consumo de açúcar é elevado. Seus olhos são negros e vivos e elas sabem como ninguém os utilizar para cativar os cavalheiros que lhes agradam. Em geral elas são muito atraentes e suas maneiras livres enriquecem suas graças naturais.
Enquanto cronistas, poetas e viajantes despiam, o que a sociedade cobria, uma rede de objetos, matérias, cores e odores buscavam transformar o copo feminino, batalhando a dupla infernal: feiúra e velhice. Dissimular, apagar, substituir as imperfeições graças ao uso de pós, perucas, unguentos, espartilhos e tecidos volumosos era comum. A pele azeitonada, a robustez física, as feições delicadas e a longa cabeleira passavam por processos feitos de bens e serviços, utensílios e técnicas, usos e costumes capazes de traduzir gostos e rejeição, preceitos e interditos. Muitos deles, aliás, já bem conhecidos na Europa moderna.
Lá, desde o século XVI circulavam livros de receitas – os segredos – de beleza. A cosmética evoluía. A depilação das sobrancelhas, a pintura dos olhos e dos lábios, a coloração das maçãs do rosto, o relevo dado à fronte, atestavam uma nova representação da mulher. Preparações variadas desdobravam-se em maquilagens pesadas, muito parecidas a máscaras.
- Texto de Mary del Priore.
“As três idades da mulher e a morte”, de Hans Baldung Grien.