Na legislação lusa e na sociedade colonial constata-se a assimetria na punição do assassínio do cônjuge por adultério. Enquanto para as mulheres não se colocava sequer a possibilidade de serem desculpadas por matar maridos adúlteros, para os homens a defesa da honra perante o adultério feminino comprovado encontrava apoio nas leis. O marido traído que matasse a adúltera não sofria qualquer punição. Lemos nas Ordenações: “Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero, fidalgo, desembargador, ou pessoa de maior qualidade”.
Assim, enquanto a condição social do parceiro do adultério era levada em conta, à condição social da adúltera não se revestia da menor importância. Tanto podia ser morta pelo marido a plebeia como a nobre. Outra punição para as adultas, o confinamento em um convento.
Mesmo conscientes de que o castigo do adultério feminino era bem mais rigoroso do que o do masculino, as mulheres da colônia não deixavam de cometer esse pecado — do ponto de vista da Igreja — ou, esse crime — aos olhos do Estado. Não era fácil para elas manter relações adulterinas a não ser na ausência do marido, por separação decretada por Tribunal Eclesiástico, ou por contato frequente com clérigos. Senhor de engenho no Recôncavo, Jacinto Tomé de Faria ausentava-se com frequência da cidade para ir para suas terras. Sua mulher, Ana Maria Joaquina da Purificação, nunca o acompanhava. Isso porque de noite ela recebia seu amante, o cônego da Sé da Bahia, José da Silva Freire. Este entrava clandestinamente em sua residência, e para melhor o conseguir “mandara roçar o mato que ficava na parte do quintal e, por esse insólito caminho, adentrava a casa, fechado em sua cadeira de arruar” ou envolto em um espesso capote. O cônego tinha as chaves de uma porta que ficava do lado do quintal da qual passava, por uma série de alçapões construídos por seus escravos, para um quarto do sobrado onde Ana o aguardava. Pego em flagrante, o cônego foi processado e pagou 300$000 ao senhor do engenho além de ter sido degredado por um ano para Ilhéus.
Afagos e deleites não dão margem a ilusões, pois as tensões e os conflitos estão bem presentes. Temperadas por violência real ou simbólica, as relações eram vincadas por maus-tratos de todo o tipo, como se vê nos processos de divórcio e na obsessão das mulheres por acalmar seus maridos e amantes por meio de magia. Não faltaram mulheres assassinadas por mera suspeita de adultério ou por promessas de casamento não cumpridas. Acrescente-se a rudeza atribuída aos homens, o tradicional racismo que campeou em toda a parte: estudos comprovam que os gestos mais diretos, a linguagem mais chula era reservada a negras escravas e forras ou mulatas; as brancas se reservavam galanteios e palavras amorosas. Os convites diretos para a fornicação são feitos predominantemente às negras e às pardas, sejam elas escravas ou forras. Afinal, a misoginia racista da sociedade colonial as classificava como mulheres fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem se podia ir direto ao assunto sem causar melindres.
Degradadas e desejadas ao mesmo tempo — explica Ronaldo Vainfas — as negras da terra seriam o mesmo que as soldadeiras de Lisboa no imaginário de nossos colonos: mulheres “aptas à fornicação”, em troca de alguma paga. E, na falta de mulheres brancas, fosse para casar ou fornicar, caberia mesmo às mulheres de cor o papel de meretrizes de ofício ou amantes solteiras em toda a história da colonização. Nos séculos seguintes, lembra o historiador, a degradação das índias e sua reificação, como objetos sexuais dos lusos, somar-se- iam as das mulatas, das africanas, das ladinas e das caboclas — todas elas inferiorizadas por sua condição feminina, racial e servil no imaginário colonial. – Mary del Priore