A escravidão é um tema amplo, que suscitou um enorme interesse e muitos trabalhos importantes. A possibilidade de novos enfoques e as diferentes análises possíveis tornam o assunto sempre atarente aos historiadores e a outros estudiosos da realidade brasileira.
Neste artigo, estamos limitando a pesquisa às ideias de alguns autores, do final do século XVII e ínicio do XVIII, da Companhia de Jesus _ João Antônio Andreoni (o Antonil), Antônio Vieira e Jorge Benci. No que se refere ao africano não houve grandes divergências no pensamento destes três autores, a polêmica existiu na escravização do indígena. Para estes jesuítas, a escravidão era uma realidade, um dado natural.
Antonil resumiu muito bem a situação :” Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente.”Ou seja, sem os escravos a “economia colonial” _ baseada no monopólio e voltada para o mercado europeu _ não seria viável.
Antonio Vieira, ao falar do tráfico negreiro, observou um “mistério” nesta “transmigração”, por ser auxiliada e até favorecida por Deus:
“(…) não havendo em todo o Oceano navegação sem perigo e contrariedade de ventos, só a que tira de suas pátrias a estas gentes e as traz ao exercício do cativeiro, é sempre com vento à popa, e mudar vela.”
Jorge Benci acreditava que o pecado abriu espaço para a existência de escravos:
“O pecado, pois, foi o que abriu as portas por onde entrou o cativeiro no mundo; porque rebelando-se o homem contra seu Criador, se rebelaram nele e contra ele os seus mesmos apetites.”
Para os três autores citados, a escravidão era aceita como um fato necessário na sociedade colonial, e como algo que sempre existiu no mundo desde os tempos mais remotos. Vieira e Benci apresentaram como principal razão da escravidão a vontade de Deus; Antonil apresentou uma razão prática.
Não se pode esquecer, que neste período, moral, economia e política não se separam. Portanto, o aspecto religioso está presente em Antonil, e tanto Vieira como Benci, também não perdiam de vista o que hoje chamaríamos de interesses econômicos.
A idealização das relações entre senhores e escravos é observada nos três jesuítas estudados por nós. Escravos e senhores deveriam ser como uma família, onde o senhor deveria mandar como um pai, com justiça e bondade; os escravos deveriam obedecê-lo com cordialidade, como os filhos obedeciam seus pais.
Vieira, que via no cativeiro a possibilidade de libertação das almas, foi mais além nesta proposição: o escravo deveria servir ao senhor como serviria a Deus o Pai dos Céus. Este seria o caminho para os cativos alcançarem a salvação, aceitar o lugar em que Deus os colocou:
“Escravos, estai sujeitos, e obedientes em tudo a vossos senhores, não só aos bons e modestos, senão também aos maus e injustos”.
Os senhores também teriam as suas obrigações neste ideal cristão de sociedade:
“O que pertence ao sustento, vestido e moderação do trabalho, claro está, que se lhes não deve negar, porque a quem o serve deve o senhor, de justiça, dar suficiente alimento, mezinhas na doença e modo com que se cubra e vista, como pede o estado de servo, e não aparecendo quase nú pelas ruas; e deve também moderar o serviço de sorte que não seja superior às forças dos que trabalham, se quer que possam aturar. “
O mais importante era fazer dos cativos homens e mulheres cristãos, dando-lhes o “pão espiritual” nas palavras de Benci. Era preciso ensinar-lhes a doutrina, batizá-los, casá-los e não obrigá-los a trabalhar aos domingos e nos dias santos.”(…) pois (como diz S. Paulo), sendo cristãos e descuidando-se dos seus escravos, se hão com eles pior do que se fossem infiéis.”
Os castigos excessivos eram condenados:
“(…) mas que teologia há, ou pode haver que justifique a desumanidade e cevícia dos exorbitantes castigos com que os mesmos escravos são maltratados?(…) Tiranizados devera dizer, ou martirizados; porque ferem os miseráveis, pingados, lacrados, retalhados, salmourados, e os outros excessos maiores que calo, mais merecem nome de martírios que de castigos.”
A disciplina, porém, era considerada fundamental para os escravos se tornarem bons e cumprirem as suas obrigações, já que “não castigar os excessos que eles cometem seria culpa não leve, (…).”
Jorge Benci ensinava:
“Para trazer bem domados e disciplinados os escravos é necessário que o senhor lhes não falte com o castigo, quando eles se desmandam e fazem por onde o merecem”.
Mais uma vez, o modelo patriarcal aflora das palavras e dos conselhos destes homens: Deus castiga o homem quando este peca, o pai castiga o filho por seus erros, o senhor castiga o escravo por suas faltas.
“O certo é que, seu senhor se houver com os escravos como pai,dando-lhes o necessário para o sustento e o vestido, e algum descanso no trabalho, se poderá também depois haver como senhor e não estranharão, sendo convencidos das culpas que cometeram, de receberem com misericórdia o justo e merecido castigo.”
Vieira, no sermão XXVII, revela a posição tradicionalmente adotada pela Companhia de Jesus quanto à escravidão dos negros e dos nativos:
“Bem sei que alguns destes cativeiros são justos, os quais só permitem as leis, e que tais se supõem os que no Brasil se compram e vendem, não dos naturais senão dos trazidos de outras partes (…).”