Temperadas por violência real ou simbólica, as relações eram vincadas por maus-tratos de todo tipo, como se veem nos processos de divórcio. Acrescente-se à rudeza atribuída aos homens o tradicional racismo, que campeou por toda parte: estudos comprovam que os gestos mais diretos e a linguagem mais chula eram reservados a negras escravas e forras ou mulatas; às brancas se direcionavam galanteios e palavras amorosas. Os convites diretos para fornicação eram feitos predominantemente às negras e pardas, fossem escravas ou forras. Afinal, a misoginia – ódio das mulheres – racista da sociedade colonial as classificava como fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem se podia ir direto ao assunto sem causar melindres. O ditado popular parecia se confirmar: “Branca para casar, mulata para foder e negra para trabalhar”.
Degradadas e desejadas ao mesmo tempo, explica o historiador Ronaldo Vainfas, as negras da terra seriam o mesmo que as prostitutas de Lisboa no imaginário dos colonos brasileiros: mulheres “aptas à fornicação” em troca de alguma paga. E, na falta de mulheres brancas, fossem para casar ou fornicar, caberia mesmo às mulheres de cor o papel de meretrizes de ofício ou amantes solteiras na história inteira da colonização. Nos séculos seguintes, a degradação das índias, bem como seu consumo como objetos sexuais, se somaria à das mulatas, africanas, ladinas e caboclas – todas inferiorizadas pela condição feminina, racial e servil do imaginário colonial. Mais desonradas que as solteiras do Reino, pois, além de “putas”, eram de cor, nem por isso ficaram as cabrochas do Trópico sem a homenagem do poeta.
No século XVII, Gregório de Matos dedicaria vários de seus poemas a certas mulatas da Bahia, em geral prostitutas. “Córdula da minha vida, mulatinha de minha alma”, folgava o Boca do Inferno. Matos endeusou o corpo e os encantos da mulata, que, como a índia do século XVI, tornou-se objeto sexual dos portugueses. Mas o mesmo poeta não ousou brincar com a honra das brancas, às quais só descrevia em tom cortês, ao passo que às negras d’África ou às ladinas referia-se com especial desprezo: “anca de vaca”, “peito derribado”, “horrível odre”, “vaso atroz”, “puta canalha”. À fornicação e, eu acrescentaria, aos amores tropicais não faltaram pontadas de racismo e desprezo à mulher.
Mary del Priore
A maioria das mulheres brasileiras brancas e não brancas não são putas e nem meretrizes.
Tem muitas mulheres brasileiras não brancas e brancas que eram casadas e não eram putas.
Tem muitas mulheres brasileiras não brancas querem casadas sim com homens brancos brasileiros ou estrangeiros e tem muitas mulheres brasileiras brasileiras não brancas que eram casadas com homens brasileiros ou estrangeiros não brancos.
As mulheres brasileiras não não eram putas.
Tem muitas mulheres brasileiras não brancas e brancas que eram casadas e não eram putas.
Triste constatação
Seus textos são maravilhosos! Entretanto, me inquieta a recorrente utilização do termo “mulata (o)”.
Viviane, o termo mulata ou mulato era muito utilizado na época e tinha um significado específico. Não se esqueça que estamos falando sobre uma sociedade escravista, patriarcal, apoiada em critérios de “pureza” de sangue e nobreza.
A sociedade brasileira, em pleno terceiro milênio, continua machista. O diferencial é que, hoje, brancas e negras são vistas como objetos fáceis de prazer; e que, também hoje, há leis protegendo as mulheres.
Mary, como sempre você destilando todo o seu talento! Sou seu fã!
Sou acadêmico de história e já me ppreparando para o mestrado em Rio de Janeiro.
Seus trabalhos são maravilhosos e muito úteis às minhas pesquisas.
Parabéns e obrigado pela contribuição!
Quanta discriminação à mulher!Não tem sido fácil a luta pela valorização da mulher,precisamos avançar mais,não nos iludamos pensando que nos tempos atuais a situação está contornada,temos muito que avançar.Excelente leitura Mary.