Na tradição ocidental, a viagem celebra o reencontro do homem com o imprevisto, permitindo-lhe romper os ritos sufocantes do cotidiano e arrancando-o de sua quietude. No Renascimento, graças a Colombo e seus epígonos, o mundo europeu descobriu a liberdade e o infinito ao alcance de suas embarcações, se lançando na iniciativa de fazer da viagem uma empresa de conquista e de descoberta. A seguir, “Da Terra à Lua”, de Júlio Verne, e as “As Viagens de Gulliver” , de Swift, nos introduziram às viagens imaginárias e simbólicas.
No século XX, de Conrad a Lawrence, de Malraux a Levy-Strauss a obsessão por deslocar-se entre outros mundos açodou os espíritos, colocando em questão as diferenças de cultura. No interior desse imaginário, viajar é imergir no mundo, é ver se dissolver pelos caminhos o sentimento de pertença, é trilhar com prazer um espaço de liberdade, é, por fim, maravilhar-se ou horrorizar-se com o Outro.
Nos tempos atuais, é preciso distinguir viajantes e turistas. Os primeiros buscam a diversidade. Os segundos, o idêntico, ou seja, hotéis, comida e TV a cabo que os conduza, pelos caminhos da globalização, de volta às origens. Para esses, os cenários devem se congelar pelas lentes da filmadora numa espécie de turismo ocular. O turista obedece às leis de uma sociedade capaz de produzir bens de consumo correspondentes a lógica de mercado onde nada se crie. Tudo se compre. Afinal, o que ele perde em termos de conhecimento lhe é vendido em objetos: em “souvenirs”.
O viajante se apropria de experiências que o permitam compreender de onde uma sociedade tira substância para sua inteligência. Alheio a esta possibilidade e instalado no frenesi do consumo, o turista só vê na viagem uma compensação contra a mediocridade de seu dia-a-dia. A viagem do consumista desenvolve uma forma de passividade da qual – ironicamente – ele é o efeito primordial. Logo, viajantes ampliam e turistas reduzem a experiência da viagem global.
Marcel Proust, em “A prisioneira”, já admoestava sobre as falsas viagens dizendo que “a única verdadeira viagem […] não é a de ir ao encontro de novas paisagens, mas a de ter outros olhos”.
Texto de Mary del Priore.
Obrigada, José. Correções feitas.