Para muitas, a velhice é um tema que provoca arrepios. Palavra carregada de inquietação e angústia, também representa uma realidade difícil de capturar. Quando é que se fica velha? Aos 60, 65 ou 70 anos? Nada mais flutuante do que os contornos da velhice, vista como um conjunto complexo fisiológico-psicológico e social. Temos a idade das artérias, do coração, do comportamento? Ou enxergamos a idade no olhar dos outros? Enfim, a única certeza é que desde que nascemos começamos a envelhecer, embora o façamos em velocidades diferentes. O modo de vida, o ambiente, a situação social aceleram ou retardam a evolução biopicológica, e entramos na terceira idade em idades muito diferentes. Sobre o envelhecimento feminino, poucos tiveram a graça de Nelson Rodrigues, que dizia: “na intimidade da alcova, ninguém se lembraria de pedir à rainha de Sabá, à Cleópatra, uma certidão de nascimento”!
O Brasil está envelhecendo, e as mulheres, junto. Já se observam mudanças. Antes marginais hoje, elas são a espécie mais comum de cidadãos. A idosa em boa forma, sábia e experiente cada vez mais faz parte da publicidade: oferece máquinas de lavar, passeios turísticos, seguros de vida e outros produtos. A medicina se debruça sobre os problemas específicos dessa clientela; economistas se inquietam diante do aumento de aposentadorias; e os demógrafos se desolam com uma pirâmide de idade invertida – mais velhos, menos jovens –, que aponta, a médio prazo, um país cheio de rugas. O Estado também vai tomando consciência da amplitude da situação e, com a lentidão habitual, começa a pensar nela.
Segundo o IBGE, em 2009, elas representavam 55,8% das pessoas com mais de 60 anos e 56,7% das com mais de 65 anos. A população de brasileiras na terceira idade não cessa de crescer. Mas desde quando mulheres são consideradas “velhas”? Muitos autores reconheceram, na virada do século XIX para o XX, o momento em que, em vez de imaginar que o acúmulo dos anos traria experiência, a última etapa da vida passou a ser associada à ideia de decadência. O que era novo passou a ser glorificado, e o velho, recriminado. Um exemplo? De um lado, o Império, dom Pedro II com as barbas brancas e a esposa, Teresa Cristina, enrugada e manca. E, do outro lado, a República, constituída por jovens jornalistas e políticos, usineiros e industriais. Era a modernidade contra a tradição. Até aquela época, a velhice não passava de uma condição de algumas poucas pessoas, uma vez que a mortalidade era muita alta e a esperança de vida, baixa: menos de quarenta anos em 1930, e cinquenta anos em 1950.
Como eram as velhas? Memorialistas como Júlio Bello viam na chegada dos 40 anos os sinais da tristeza mais profunda, da velhice mais doída. Dos engenhos nordestinos onde cresceu, o escritor guardava a lembrança de tias metidas na “disciplina dos conventos”, “senhoras sem alegrias, que nunca foram moças com as ilusões e os prazeres da juventude”. Se casadas, murchavam logo por conta dos partos sucessivos. Aos vinte anos eram “matronas veneráveis”, conta. Se solteironas, viravam “maracujá de gaveta”; secas. Assim como a “tia Cândida: […] severa, rígida, autoritária, intolerante, cheia de excessivos melindres e implicâncias quanto à decência e à moralidade de sua casa, de sua família, de seus escravos e dependentes”.
Graciliano Ramos, em relato sobre sua infância, também dá notícia de uma avó: “grave, ossuda, tinha protuberâncias na testa e bugalhos severos. Anos depois contou-me desgostos íntimos: o marido, ciumento, afligira-a demais. Só aí me inteirei de que ela havia sofrido e era boa, mas na época do ciúme e da tortura não lhe notei a bondade”.
E de uma negra, egressa da senzala, imagem de uma velhice sem paz. Geniosa e temida pelo temperamento forte, “andava cambaleando”, mas fazia “trabalhos duros de homem”. No dia a dia, “zangava-se facilmente e endireitando o busto franzino de virgem murcha, uma coragem feroz, a sacudi-la, despia a subserviência hereditária. E rugia: a escravidão era coisa do passado. Morreu como viveu: trabalhando”, relata o escritor. “[…] de supetão, vomitando sangue debaixo do jirau onde se acumulavam frigideiras, mochilas de sal, réstias de alho.”
O retrato da velhice feminina varia segundo diferentes camadas sociais. Quem pode pagar o home care, a acompanhante, o massagista, remédios e ter um seguro saúde eficiente tem velhice mais cuidada. Bem diversa é a velhice da mulher dependente e sem recursos.
Mudou também a maneira de falar em envelhecimento. Nos anos 1970, Carmem da Silva perguntava-se sobre como enfrentar a nova fase da vida, então chamada “idade madura”, a “antessala da velhice”: “E quando a gente menos espera, completou 40 anos. Pensando bem, ninguém teria de surpreender-se com isso: já se sabe que o tempo passa. O tempo passa? […] E quando chega a idade madura, a gente se recusa a crer: ah, esses anos traiçoeiros, sorrateiros, que foram se empilhando sem que a gente se quer percebesse: quarenta, eu não tinha me dado conta que eram tantos assim!”.
E recomendava um “exame sereno, livre de preconceitos”. Recomendava pensar, não no que a vida tirou, mas naquilo que ela ofereceu. Positiva, aconselhava: “sempre existe a possibilidade de compensar falhas e déficits daqui para frente”. O importante era acomodar-se à meia-idade sem angústias artificiais. Era preciso reconhecer alguns limites. Ninguém acordava mais “fresca como uma alface”. As “extravagâncias amarfanhavam o rosto e amorteciam o olhar”. Mas uma mulher saudável podia realizar muitas proezas, mesmo sabendo que a “fonte não era inesgotável”. O importante era não valorizar excessivamente as perdas da beleza física: “A cútis já não pode enfrentar sem cosméticos a crua luz do dia, o contorno do rosto vai perdendo a nitidez, as pálpebras começam a se empapuçar, o busto a cair, a cintura a espessar-se; o que era suave arredondamento torna-se compacto, o que era esguio vai se tornando anguloso. A modificação é tão lenta que a própria interessada nem nota”.
É preciso o comentário maldoso de uma amiga ou a franqueza de alguém simplório, como uma doméstica, para encarar a realidade, conta-nos Carmem: “A senhora deve ter sido muito bonita no seu tempo”! Mas a jornalista não desistia. Animava as leitoras. O importante era ter segurança, amor no coração, buscar o equilíbrio:
É no terreno psíquico e mental que se manifestam os saldos positivos da idade. Aos quarenta anos bem vividos já não têm lugar os passos em falso, a desorientação sobre a própria personalidade, a confusão sobre o papel que nos cabe desempenhar no mundo. A mulher quarentona que não tenha permanecido imatura já superou inibições, receios e constrangimentos, sente o solo firme sob os pés e a tranquila certeza de haver no universo um lugar que ela conquistou e que só a ela pertence […] sabe que não foi amada como uma linda boneca, mas como uma pessoa singular, condição que os anos, em vez de roubar, reafirmam e acentuam. Mereceu seus quarenta anos e saberá vivê-los como prêmios e não como maldição.
“Segredo indecente do qual se fala com vergonha”, definiu a escritora Simone de Beauvoir, a velhice representa ao mesmo tempo o sucesso da medicina, capaz de prolongar vidas, mas também seu fracasso, pois não consegue deter o quinhão de dependência e sofrimento que chega com ela. – Mary del Priore (“Histórias e Conversas de Mulher”).
“As três idades da mulher e a morte”, de Hans Baldung-Grien (1510).
Para quem tem mais de 65 anos
Ivone Boechat (autora)
1 – Tome posse da maturidade. A longevidade é uma bênção! Comemore! Ser maduro é um privilégio; é a última etapa da sua vida e se você acha que não soube viver as outras, não perca tempo, viva muito bem esta. Não fique falando toda hora: “estou velho”. Velho é coisa enguiçada. “Idade não é pretexto para ninguém ficar velho”. Engane a você mesmo sobre a sua idade, porque os psicólogos dizem que se vive de acordo com a idade declarada!
2 – Perdoe a você antes de perdoar os outros. Se você falhou, pediu perdão? Deus já o perdoou e não se lembra mais. Mas você fica remoendo o passado… Não se importe com o julgamento dos outros. Só há dois times no Universo: o do Salvador e o do acusador. Neste último você sabe quem é goleiro. Continue no time do Salvador.
3 – Viva com inteligência todo o seu tempo. Viva a sua vida, não a do seu marido, dos filhos, dos netos, dos parentes, dos vizinhos… Nem viva só pra eles, viva pra você também. Isto se chama amor próprio, aquilo que você sacrificou sempre! Nunca viva em função dos outros. Faça o seu projeto de vida!
4 – Coma muito menos; durma o suficiente; não fique o dia inteiro, dormindo, dando desculpa de velhice. Tenha disciplina. Fale com muita sabedoria. Discipline sua voz: nem metálica; nem baixinha; seja agradável!
5 – Poupe seus familiares e amigos das memórias do passado. Valorize o que foi bom. Experiências caóticas, traumas, fobias, neuroses, devem ser tratadas com o psicoterapeuta. Não transforme poltrona em divã, ouvido em descarga.
6 – Não aborreça ninguém com o relatório das suas viagens. Elas são interessantes só pra quem viaja. Ninguém aguenta ouvir os relatórios e ver fotografias horas e horas. Comente apenas o destino e a duração da viagem, se alguém perguntar. Aprenda a fazer uma síntese de tudo, a não ser que seus amigos peçam mais detalhes. Se alguém perguntar mais alguma coisa, seja breve.
7 – Escolha bons médicos. Não se automedique. Não há nada mais irritante do que um idoso metido a receitar remédio pra tudo o que o outro sente. Faça uma faxina na sua farmácia doméstica.
8 – Não arrisque cirurgias plásticas rejuvenescedoras. Elas têm prazo curto de duração. A chance de você ficar mais feio é altíssima e a de ficar mais jovem é fugaz. Faça exercícios faciais. Socorra os músculos da sua face. Tome no mínimo 8 copos de água por dia e o sol da manhã é indispensável. O crime não compensa, mas o creme compensa!
9 – Use seu dinheiro com critério. Gaste em coisas importantes e evite economizar tanto com você. Tudo o que se economizar com você será para quem? No dia em que você morrer, vai ser uma feira de Caruaru na sua casa. Vão carregar tudo. Não darão valor a nada daquilo que você valorizou tanto: enfeites, penduricalhos, livros antigos, roupas usadas, bijuterias cafonas, ouro velho… prataria preta, troféus encardidos, placas de homenagens. Por que não doar as roupas, abrir um brechó ou vender todas as suas bugigangas, apurar um bom dinheiro e viajar?
10 – A maturidade não lhe dá o direito de ser mal educado. Nada de encher o prato na casa dos outros ou no self-service (com os outros pagando), falar de boca cheia, ou palitar os dentes na mesa de refeições (insuportável).
11 – Só masque chiclete sem testemunhas. Não corra o risco de acharem que você já está ruminando ou falando sozinha.
12 – Aposentadoria não significa ociosidade. Você deve arranjar alguma ocupação interessante e que lhe dê prazer. Trabalhar traz muitas vantagens para a saúde mental, além do dinheiro extra para gastar, também com você.
13 – Cuidado com a nostalgia e o otimismo. Pessoas amargas e tristes são chatíssimas, as alegres demais, também. Elogie os amigos, não fique exigindo explicações de tudo. Amigo é amigo.
14 – Leia. Ainda há tempo para gostar de aprender. A maturidade pode lhe trazer sabedoria. Coloque-se no grupo sempre pronto para aprender. Não se apresente em lugar nenhum dizendo: sou muito experiente!
15 – Não acredite nas pessoas que dizem que não tem nada demais o idoso usar roupas de jovens, cuidado. Vista-se bem, mas com discrição. Cuidado com a maquiagem, se for pesada, você vai ficar horrível.
16 – Seja avó do seus netos, não a mãe nem a babá. Por isso nem pense em educá-los ou comprometer todo o seu tempo com as tarefas chatas de ir buscar na escola, levar a festinhas, natação, inglês, vôlei… Só nas emergências. Cuidado com aquela disponibilidade que torna os outros irresponsáveis.
17 – Se alguém perguntar como vão seus netos, não precisa contar tuuuuuuuudo! Evite discorrer sobre a beleza rara e a inteligência excepcional deles. Cuidado com a idolatria de neto e o abandono dos filhos casados…
18 – Não seja uma sogra chata. Nunca peça relatório de nada. Seu filho tem a família dele.Você agora é parente! Nunca, nunca, nunca mesmo, visite seus filhos sem que seja convidado. Se o filho ligar pra você, não diga: ah! lembrou finalmente da sua mãe? É melhor dizer: Deus o abençoe meu filho.
19 – Cuidado em atender ao telefone: se a pessoa perguntar como você vai e você responder “estou levando a vida como Deus quer”; “a vida é dura”; “estou preparando a partida”; “estou vencendo a dureza”; você vai ver que as ligações dos amigos e dos parentes vão rarear, cada vez mais.
20 – A maturidade é o auge da vida, porque você tem idade, juízo, experiência, tempo e capacidade para se relacionar melhor com as pessoas. Então delete do seu computador mental o vírus da inveja, do orgulho, da vaidade, promiscuidades, cobranças, coisas pequenas e frustrantes para tomar posse de tudo o que você sempre sonhou: a felicidade.
http://www.supertextos.com/texto/Para_quem_tem_mais_de_65_anos/15054 12/05/2012