Os engenhos de açúcar que, desde o final do século XVI, começavam a se multiplicar na Bahia e no Nordeste, precisavam de muitos braços para o trabalho. Como os portugueses há muito faziam o tráfico de escravos, não foi difícil mandá-los também para o Brasil.
Por volta de 1542, desembarcavam na capitânia de Pernambuco, os primeiros escravos vindos da Guiné. Os portugueses, cabe lembrar, já estavam familiarizados com as mulheres negras, pois desde o século XV, elas eram enviadas para Portugal. Trabalhando como escravas em serviços domésticos e artesanais, elas acabavam amancebando-se ou casando-se com homens brancos. É o que revelam modinhas portuguesas da época, cantadas na capital da Metrópole, Lisboa:
“Meu branquinho feiticeiro
Doce ioiô meu irmão
Adoro teu cativeiro
Branquinho do meu coração
Pois tu chamas de irmãzinha
A tua pobre negrinha
Que vai estremecer de prazer
E vais pescar a tardinha
Mandi, piau e corvina
Para a negrinha comer”
No Brasil, as coisas não iriam ser diferentes. As “uniões à moda da terra” – nome que se dava aos amancebamentos – vão originar famílias de mestiços e mulatos. Da mesma maneira que as uniões de brancos com índias, as de brancos, mulatos e negros também não pressupunham o casamento na Igreja. As pessoas se escolhiam por que se gostavam, passando a trabalhar juntas e a ter filhos. Muitas delas, só no final da vida recorriam a Igreja para casar, pois tinham medo de ir para o inferno. Aí chamavam um padre, pediam a extrema-unção e confessavam os seus pecados, inclusive o de ter vivido com alguém “fora do sagrado matrimônio”. Foi o caso, por exemplo, do escravo e pardo Manuel Gonçalvez de Aguiar, que em São Paulo, em 1798, pedia licença ao seu senhor para casar-se aos 82 anos, depois de ter vivido quase cinqüenta, com Florencia que tinha 68. Quando trocou alianças, o casal já tinha netos.
Entre brancos pobres, a coisa não era diferente. O fato de no Brasil colonial as cidades serem distantes uma das outras fazia com que a maioria das pessoas morassem “pelos matos”. Aquelas que viviam nas áreas rurais, longe das igrejas, tinham dificuldade em cumprir os preceitos da religião, como assistir missa, comungar ou confessar. Vinham às cidades no dia da festa do padroeiro para assistir à quermesse e rezar na procissão. Mas casar na igreja, era raro.
As autoridades ficavam furiosas com este comportamento. Algumas delas, como o governador da capitania de São Paulo no século XVIII, D. Luís Antônio de Souza, atribuíam o desinteresse pelo casamento à falta de trabalho. Achavam que, “sem nenhum modo de ganhar a vida, os campos incultos, tudo coberto de mata brava”, as pessoas preferiam viver como selvagens. Um outro governador acreditava que “todos os meios que forem próprios para facilitar os casamentos, também o serão para promover a povoação”. Em resumo: as autoridades achavam que as pessoas não se casavam porque não tinham como ganhar a vida. Faltava-lhes trabalho, educação e um chão para a pequena lavoura que daria o sustento da família. Eles tinham razão, mas apenas em parte. Outros fatores contribuíam para este cenário, inclusive o fato de que casar era muito caro.- Mary del Priore.
“Casamento de negros de uma casa rica”, de Debret: cena rara.