O Brasil vive uma onda de deslumbramento pelos produtos de luxo, principalmente pelas grifes famosas internacionalmente. O País já se tornou um destino cobiçado pelos maiores e mais conhecidos fabricantes destas mercadorias. Os artigos são variados, como: jóias, bolsas, sapatos (e acessórios), roupas, perfumes e cosméticos, bebidas, alimentos, carros e eletroeletrônicos – para citar os preferidos. Tais artigos são acessíveis a apenas 1% da população brasileira, mas, movimentam US$ 2,3 bilhões por ano.
Há muita gente disposta a tudo para exibir uma bolsinha Louis Vuitton, Balenciaga ou Chanel, um lindo sapato Louboutin, um bracelete da Tiffany´s, lenços ou gravatas Hermès, ou um modelito Marc Jacobs (existem inúmeras grifes grandes e emblemáticas, citei apenas algumas por questão de espaço). Há inacreditáveis listas de espera para adquirir artigos caríssimos que ainda nem chegaram das matrizes européias ou americanas.
Coisa de novo rico? Agora que o Brasil parece ter alcançado a estabilidade econômica, ficamos deslumbrados? Muitos outros povos tiveram (e têm) fama semelhante, tornando-se conhecidos por sua ânsia consumista: japoneses, chineses, russos e os norte-americanos tiveram sua fase “deslumbrada”, digamos assim. Os europeus ironizam e enchem os bolsos com o dinheiro dos “emergentes”, mantendo o sorriso de desprezo. O filósofo grego Aristóteles, há séculos, já era implacável com as fortunas recentes. “Ser rico de fresca data, é ter muito mais seguramente todos os vícios e os piores, porque na riqueza recente há assim por dizer uma falta de educação da riqueza”.
Não somos os únicos – nem os maiores devoradores de artigos de luxo -, porém, temos certas peculiaridades interessantes. A verdade é que a relação dos brasileiros com este mercado é bastante antiga, podendo ser percebida desde os momentos iniciais da colonização. Assim que os primeiros colonizadores estabeleceram pequenos núcleos vagamente semelhantes a uma sociedade, já começaram a se angustiar a espera dos navios que chegavam da Europa.
Se pensarmos nas condições que imperavam na Colônia nos séculos XVI e XVII, os artigos tão esperados do Velho Mundo eram realmente um luxo. Vinhos, azeites, conservas, queijos, vinagres, azeitonas e muitos tecidos finos (veludos, linhos, sedas), além dos ornamentos de metais preciosos (fivelas, botões) e pedrarias. Celso Furtado, em “Formação Econômica do Brasil”, ao analisar o nível de renda na economia açucareira, destaca que a maior parte do dinheiro estava concentrada em pouquíssimas mãos. Os senhores de engenho, então, podiam gastar grandes quantias com bens de consumo importados, “principalmente de luxo”.
Gilberto Freyre também destaca no clássico “Casa Grande & Senzala” a inclinação que a elite brasileira tinha em comprar produtos importados. Na alimentação, a dieta era pobre e os mais abastados não valorizavam as frutas, legumes e caças locais. A maioria “se dava ao luxo tolo de mandar vir de Portugal e das Ilhas” alimentos, quase sempre, mal conservados e pouco nutritivos. Freyre põe o “dedo na ferida”, lembrando que os senhores viviam endividados devido à obsessão por este “luxo mórbido, doentio, incompleto”. O autor continua: “excesso em algumas coisas, e esse excesso à custa de dívidas; deficiência em outras”.
É importante destacar que a nossa sociedade se formou em cima de um modelo nobiliárquico, escravista e com base na posse da terra. A proposta era transplantar o esquema europeu para os trópicos, contudo, as diferenças sociais, raciais, culturais e econômicas fizeram com que se forjasse uma sociedade com características próprias, que tentava desesperadamente encaixar-se nos tradicionais exemplos que existiam na Europa.
Quem vinha para a Colônia, com exceção dos altos funcionários da administração da Coroa Portuguesa (vice-reis e magistrados, por exemplo), estava bem longe de pertencer à nobreza lusitana. Para ser nobre, era preciso comprovar que não existia nenhum antepassado que tivesse exercido trabalho mecânico. Apresentar uma árvore genealógica limpa, de sangue puro, o que significava não haver parentes de sangue negro, índio, mouro ou judeu. No Brasil, pouquíssima gente preencheria tais requisitos. Então, a solução era torcer um pouquinho os fatos e melhorar a história da família.
Em outras palavras, formou-se aqui um grupo de fidalgos “sem título”, uma ligeira adaptação aos padrões europeus. Estas pessoas queriam se destacar da “arraia miúda”, do “povinho” sem posses. O caminho era ostentar e abusar de todos os sinais exteriores desta suposta nobreza tropical. Neste ponto, a melhor maneira de se afirmar era sair às ruas coberto de roupas luxuosas, sapatos, joias, armas, brasões e um cortejo de escravos – de preferência também vestidos à europeia. Contar aos outros “homens bons” que na sua casa não faltavam alimentos de Portugal, França e Inglaterra; fazer banquetes com muita fartura; e ter amizades importantes, frequentar a casa dos portugueses de estirpe – tudo isso era a glória para os nossos antepassados. Os eventos sociais eram raros, então, qualquer oportunidade precisava ser aproveitada.
Por causa desta mania, as dívidas cresciam. Nem era possível manter tais luxos impunemente. Os produtos eram caros e vinham esporadicamente em navios portugueses, já que havia o monopólio do comércio metropolitano e a atividade manufatureira era proibida no Brasil. Mesmo aqueles que não tinham cabedal suficiente precisavam mostrar que eram gente de alta classe. O único jeito era gastar nas coisas que mais enchiam os olhos da sociedade: roupas, joias e escravos. Pratarias, móveis e artigos de casa, em geral, ficavam em segundo plano, pois, ficariam guardados longe das vistas dos outros, dentro de casa.
O paradoxo da ostentação no Brasil Colônia não passou despercebido aos viajantes vindos da Europa. Um dos textos mais saborosos sobre as agruras dos colonos para se apresentarem como nobres vem do Marquês do Lavradio, que, para seu desgosto, foi enviado pela Coroa Portuguesa em 1768 para exercer o cargo de vice-rei. “(…) os homens que aqui se acham estabelecidos nos quais não reina uma grande fofice e patarata a grandeza consiste em poder cada um dizer que tem uma sege, um vestido de brilhante da fábrica, e que também o tem de veludo de toda a conta de Itália (…)”, contava, maldoso, destacando que a tal sege (carruagem fechada) nunca saía às ruas, andando quase sempre a pé estes “grandes senhores”.
A descoberta das minas de ouro e diamantes em Minas Gerais e Goiás trouxe uma ilusão de um futuro cheio de riquezas. Portugal via a salvação de sua economia no dourado das pepitas brasileiras. O metal precioso, porém, escorria para as mãos dos ingleses, que – em troca de vantagens econômicas – garantiram as possessões coloniais lusitanas tão invejadas pelas outras nações européias. Tudo tem um preço na vida, diz a sabedoria popular. E Portugal pagou com ouro a amizade da poderosa Inglaterra. No Brasil, as minas trouxeram o excesso barroco: igrejas decoradas ricamente, centenas de escravos exauridos pelo trabalho desumano, roupas e tecidos caros desfilando pelos paralelepípedos de Vila Rica e do Tejuco. Não bastava ter dinheiro e posses, era necessário mostrar a todos o status privilegiado. As leis que proibiam que os negros exibissem pedras e metais preciosos, e tecidos finos não conseguiam deter a vaidade de escravos e alforriados.
A vinda da Família Real (1808) e a promoção do Brasil à condição de reino não trouxeram grandes alterações a esta desesperada tentativa de afirmação dos brasileiros. A corte portuguesa era de uma pobreza desanimadora; D. João VI e Carlota Joaquina estavam bem longe do glamour e da riqueza das cortes europeias. O estilo deles não aplacou a nossa sede de nobreza. A abertura dos portos às nações amigas, porém, trouxe um efeito prático à sociedade ávida por novidades: os portos foram inundados por produtos importados, principalmente ingleses. Finalmente, Portugal se tornava mais liberal também com os visitantes estrangeiros, que até então eram recebidos com muitas desconfianças. Franceses e ingleses passam a disputar a preferência dos brasileiros em termos de moda.
Em meados do século XIX, o Rio de Janeiro possuía um centro de compras comparável aos mais luxuosos templos comerciais de Paris – pelo menos, era assim que pensavam os brasileiros. A partir daí, quem vivia à larga nos maiores centros urbanos do País passou a acreditar que poderíamos transformar nossas incipientes metrópoles em grandes cidades cultas, evoluídas e sofisticadas. Surgiram teatros, cafés, confeitarias, salões e clubes para reunir a nata da sociedade brasileira. Falava-se francês; os homens se sentiam cavalheiros ingleses, as mulheres, comparavam-se às elegantes francesas; teorias estapafúrdias de branqueamento da população inflamavam os intelectuais e políticos; a estrada de ferro começava a diminuir as distâncias.
A política mudou de mãos, a economia viveu altos baixos. Tivemos a Independência, o Império, a República Velha. A escravidão foi abolida. O café enriqueceu os barões do sudeste, a decadência do mercado de açúcar arruinou muitas famílias tradicionais do Nordeste. São Paulo ultrapassa as outras capitais, tornando-se uma grande metrópole, polo de cultura e elegância. A Belle Époque encantou as famílias dos industriais e da burguesia mais abastada. Malgrado todas as mudanças, o gosto pelo luxo não perdeu terreno ao longo da História do Brasil, levando os ricos a ostentar e os pobres a sonhar.
No século XX, surgiu outro tipo de luxo, que viria ajudar bastante as mulheres: os eletrodomésticos. Devemos lembrar que até a década de 20 (apenas nas grandes cidades), a água encanada era raríssima. Luz elétrica também. Quando estes luxos chegaram às casas mais abastadas, o impacto foi muito grande. O orgulho dos maridos ricos era poder exibir uma cozinha moderna, com água encanada, máquina de lavar roupas, um enorme fogão elétrico ou a gás, ferro elétrico de passar roupa, liquidificador e outras facilidades. Estes produtos só se tornaram amplamente usados – pela classe média – na década de 50. Os automóveis também passaram a ser o símbolo de riqueza e status. Somente os muito ricos e ousados circulavam nestas possantes máquinas na década de 20.
O mundo ocidental viveu um período de prosperidade econômica e “euforia” em relação às mudanças sociais – foram os tempos da Belle Époque (1890-1914). Industrialização, estabilidade política, aburguesamento das elites, liberação feminina, tudo isso criou um ambiente de alegria e esperança, até a eclosão da Primeira Grande Guerra (1914-1918), que veio interromper estes tempos de delírios otimistas.
O Brasil também queria beber desta fonte de beleza e frivolidade. Após a proclamação da República (1889), as nossas elites passaram a sonhar com um país moderno, europeu. As turbulências políticas foram sufocadas, a “política dos governadores” amenizou as tensões, pelo menos temporariamente. O poder e o dinheiro haviam mudado de mãos: os velhos gentis-homens que sobreviveram à queda do Império davam passagem aos burgueses de ares cosmopolitas.
As grandes capitais, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, esforçam-se para se adaptar aos padrões europeus. Todos queriam ser chics e falar francês; as mulheres de sociedade vestiam-se de melindrosas, os homens deixavam para trás as casacas escuras e as cartolas e passaram a usar ternos claros de casimira, chapéus de palha (Panamá). Os dândis e a melindrosas eram as figuras-fetiche da high society. A crônica social invade os jornais e dita padrões de moda e comportamento. A elite se tornou mais ostensivamente consumista. O luxo era uma obsessão.
Aquele velho desejo, presente desde os primórdios da colonização, de manter distância da “arraia miúda” adquire novas roupagens. Até então, a aristocracia se reunia em mansões, clubes, palacetes e ruas de comércio elegante, deixando o restante do espaço público para o “povinho mestiço e pobre”. Agora, a cidade deveria se curvar ao “belo e civilizado” modo de vida dos mais abastados. A solução era expulsar os pobres dos centros urbanos, proibí-los de circular lado a lado com os chics ou smarts e reurbanizar as cidades. Rio de Janeiro e São Paulo seriam iguais a Paris! Obras faraônicas abriam largas avenidas e erigiam prédios suntuosos, campanhas de saúde pública e higiene marginalizavam e assustavam cada vez mais a população.
O Rio de Janeiro passou por uma “regeneração” urbana. Leis foram aprovadas para impedir que os mais pobres andassem descalços ou mal vestidos pelo centro. Os cortiços foram derrubados e os moradores empurrados para a periferia. Tínhamos que esconder debaixo do tapete tudo que fosse sujo e feio. – Márcia Pinna Raspanti
Aclamação de D. João VI; liteira; e a rua do Ouvidor em 1890: retratos do luxo no Brasil.
Bom dia Marcia, otimo texto!
Estou fazendo minha tese de mestrado, e tem um trecho do seu texto onde você cita Aristoteles. Você teria mais informações sobre essa frase?
Ser rico de fresca data, é ter muito mais seguramente todos os vícios e os piores, porque na riqueza recente há assim por dizer uma falta de educação da riqueza.
Agradeço muito a ajuda.
Cordialmente
Camila
Bom dia, Camila. Esta frase de Aristóteles pertence a “Arte Retórica”, livro II, capítulo XVI, em que o autor discorre sobre o “Caráter dos ricos”. Aristóteles faz uma série de críticas duras aos ricos e ao luxo em que eles viviam, chamando-os de “insolentes e intumescidos de orgulho”, além de “efeminados”. Muito obrigada pelos seus comentários.
ARISTÓTELES. “Arte Retórica e Arte Poética”, Coleção Universidade de Bolso, Ediouro. (p. 136).
A very good website.
Muito bons os artigos, gostaria de estar a par das novas postagens.
oi Marcia, e olha que àquela época “O paradoxo da ostentação no Brasil Colônia não passou despercebido aos viajantes vindos da Europa” e, vamos combinar, ainda hoje é assim….. Que nos digam as lojas de grife da Oscar Freire como também as de tecnologia como Apple, Samsung, etc. Nada contra, mas, consumismo em exagero é o grande perigo que nos rodeia… e, quem está livre??????