Uma francesa observadora

Uma das maiores fontes de informação sobre os hábitos dos tempos coloniais e imperiais são os relatos dos estrangeiros que passaram por aqui. Não há abundância deste tipo de material até 1808 – mais uma vez tenho que citar a abertura dos portos às Nações Amigas -,  porque Portugal dificultava ao máximo as visitas às terras brasileiras. Mesmo assim, podemos criar um “corpus” documental interessante com tais textos.

O professor Jean Marcel Carvalho França tem se debruçado sobre a produção de não-portugueses que vieram ao Brasil (“Visões do Rio de Janeiro”, “Outras Visões do Rio de Janeiro” e “Mulheres Viajantes no Brasil”, apenas para citar alguns). Os estrangeiros tinham uma visão não muito positiva sobre a população local e seus hábitos: preguiçosos, lascivos, corruptos, exibicionistas e desonestos, assim eram descritos os brasileiros. Além das belezas naturais, pouco se salvava no Novo Mundo, na opinião dos estrangeiros, certamente temperada pelo preconceito. 

      Rose Freycinet, uma francesa que esteve no Rio de Janeiro em 1817, acompanhando o marido, escreveu algumas passagens bastante interessantes sobre a vida local. A atenta senhora comentou a deselegância da Família Real, que teve oportunidade de encontrar em uma ópera. D. Pedro I (que na época não tinha este título ainda) era um homem “bonito e alto”, segundo Rose, mas de uma vulgaridade total, acompanhemos: “Vestia-se com um fraque marrom, calças de nanquim, traje bastante ridículo para as 8 horas da noite, numa grande festa pública”. D. João VI não tinha nenhuma “majestade” e estava mais simples, porém, menos inadequado, de acordo com a descrição da autora.

        Agora, o comentário mais maldoso foi dirigido à princesa Leopoldina. “A pobre austríaca (ela mesma fica com pena da sua vítima) estava vestida com uma roupa de montaria cinza, de um tecido ordinário, e com blusa plissada; seus cabelos estavam em desalinho e presos com pente de tartaruga”. Em contraste à desleixada “austríaca”, as outras princesas estavam de veludo ou cetim, e traziam enfeites de plumas e flores nas cabeças. Rose se espantava com o fato de Leopoldina estar tão mal arrumada, já que suas maneiras “em nada lembram a postura nobre e cerimoniosa que se cultiva na corte da Áustria”. Ou seja, o Brasil fez mal à Leopoldina, que se tornou descuidada e deselegante.

        Quem conhece um pouco da vida infeliz de Leopoldina sabe que ela teria seus motivos para descuidar da aparência: as traições do marido, o fato de ter uma gravidez atrás da outra, a desconfiança da corte com relação à “austríaca”. Malgrado a solidão e a melancolia, Leopoldina não escapou das palavras cruéis de Rose Freycinet. – Márcia Pinna Raspanti

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D. Leopoldina e D. Pedro: criticados pela observadora viajante.

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  1. Bernadete

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