Tempestades, meteoros e pestes: os mistérios da natureza

         Para nossos antepassados, “medo” queria dizer o seguinte: “Perturbação da alma por causa de apreensão de um mal eminente.” E medos, não faltavam, pois, não era só no campo das coisas práticas que moravam os temores. No das representações mentais, habitavam crenças que, por serem temidas, eram também respeitadas.

         O aparecimento de cometas, tal como o que cruzou o céu do Brasil em 1666, era considerado aziago para os cultivares. Acreditava-se, então, que tais sinais celestiais anunciavam maus presságios. Segundo um cronista, eles eram sinônimo de “ruína das Repúblicas e dos viventes”, um anunciador de estragos. Rocha Pita o entendeu, ao atribuir a peste de bexigas ou varíola à passagem de um “horroroso cometa que, por muitas noites tenebrosas ateado em vapores densos, ardeu com infausta luz sobre a nossa América e lhe anunciou o dano que ia sentir”. Em 1685, assistiu-se a um “tremendo eclipse da lua que naquela província da Bahia se viu com horror […] uma capa de chamas cobriu a maior parte de seu vastíssimo corpo”.

         O fenômeno foi interpretado como precursor de pestes, que teria dizimado escravos e lavradores, além de sido responsável por desastres agrícolas. Tantas preocupações com a meteorologia faziam com que os senhores-de-engenho letrados redigissem diários, ou borradores, como eram chamados, em que anotavam os ciclos de chuvas e de secas. Um deles, Antônio Gomes Ferrão Castelo Branco, dono de canaviais decadentes no Recôncavo, registrou, por exemplo, suas observações num caderno intitulado Modo de saber se fará chuva ou sol nos doze meses do ano. E nele perdia-se em cálculos baseados nas condições meteorológicas dos doze primeiros dias de agosto de 1755, projetando-as para 1756. O cuidado com que calculava e descrevia as possíveis chuvas, secas, ventos e trovoadas revela sua necessidade de ordenar preceitos de ação, resignação ou esperança em relação aos seus canaviais, permitindo-lhe se armar contra os possíveis infortúnios a surgirem em seu caminho.

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          Para cálculos meteorológicos “eficientes”, se usavam como base os Lunários perpétuos ou Prognósticos. Verdadeiras aliadas do tempo e das estações, tais publicações serviam como guia nas etapas de trato agrícola: tempo de semear, tempo de edificar, de colher ou destruir. Foram os livros mais lidos nos sertões. Não havia autoridade maior para fazendeiros, e os prognósticos meteorológicos europeus, mesmo sem maiores exames pela diferença dos hemisférios, eram acatados como sentenças. Na forma de folhas volantes ou de obras impressas, eram comumente comercializados na Colônia.

           O Lunário de Jerônimo Cortês, publicado no século XVIII, informava, por exemplo, que, segundo Plínio, janeiro era mês bom para cavar e misturar estrumes dos diferentes animais e também para lavrar terras fortes e argilosas das grandes culturas, no caso, a cana-de-açúcar. Nos lunários se encontravam “Avisos importantes para os lavradores”, do tipo: “Dizem alguns autores que para as colheitas serem boas” é preciso que “a lua nova esteja em Touro, Câncer, Virgem, Libra ou Capricórnio”. Há ainda “Segredos mui curiosos e úteis para os lavradores” e tratados de astronomia rústica e pastoril, em que se indicavam sinais de terremotos (“quando passar cometa de cor negra, vermelha ou verde”), de peste (“quando o vento sul sopra e não chove”), de carestia (“quando chover muito no inverno”), de ventos (“quando as estrelas parecem maiores do que costumado”), entre outros.

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         O viajante francês Auguste de Saint-Hilaire ainda registrou a permanência de tais tradições entre os agricultores do Espírito Santo no início do século XIX. Batata e mandioca eram plantadas durante a fase de quarto minguante. Arroz, milho, feijão e cana-de-açúcar, só na lua nova. O naturalista acreditava que essa convicção atravessara o Atlântico com os europeus, sendo igualmente corrente nas Antilhas. Segundo ele, a crença generalizada na influência da lua era combatida, nessa mesma época, por naturalistas e agrônomos, mas não havia unanimidade nas suas opiniões; daí terem recomendado a continuação de experiências sobre o assunto.

         Também Richard Burton, cônsul inglês em Santos, observou que em Minas Gerais, na época de seca, os agricultores levavam pedras na cabeça, de determinado lugar para o cemitério. Quando a seca se prolongava e o milho começava a embonecar, molhavam-se os cruzeiros ao meio-dia. Recurso eficaz para chamar chuva era contrariar os santos, trocando-os de seus oratórios ou capelas. Enquanto não caía água, não voltavam aos seus lugares. Chuvas fortes se anunciavam pelo grito do macaco guariba, o canto do bem-te-vi, a gritaria mais alta dos sapos ou a revoada de borboletas em lugares úmidos. Para nossos antepassados, a natureza era um livro que tinha que ser decifrado e lido.

  • texto de Mary del Priore. “Histórias da Gente Brasileira: Colônia (vol.1)”, Editora LeYa, 2016.
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Hendrick Martensz Sorgh (1610-1670).

 

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