Tabus do século XIX: da esterilidade à libertinagem

A esterilidade era considerada uma “mancha” na vida homens e mulheres do século XIX. Em 1872, um estudo pioneiro realizado por Guilherme Augusto M. Guimarães denominado Da esterilidade, era apresentado na forma de tese à faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Suas impressões consolidavam a visão de profundo mal estar que ainda se tinha sobre o assunto. Segundo ele “a esterilidade nos apresenta uma imagem seca e árida do nada, […] o triste celibatário só oferece a nossos olhos um coração frio e vazio, devotado ao amor de si próprio”.

A descrição minuciosa da constituição dos impotentes figurava em vários manuais, e os médicos davam algumas pistas para que fossem reconhecidos: poucos cabelo ou cabelos finos, tez pálida e sem cor, carnes moles e sem pêlos, voz aguda, olhos tristes, ombros estreitos, cheiro adocicado, testículos pouco volumosos e enrugados, cordões espermáticos sem consistência, apatia moral e pusilanimidade.

O tema da reprodução se encontra presente em muitos trabalhos científicos e debates intelectuais da época E de acordo com cientistas, a inação dos órgãos sexuais podia trazer uma série de doenças como a ninfomania, a erotomania, a catalepsia e a insônia. Só o casamento saudável e ordenado pode por fim a todos os riscos e garantir que a espécie se reproduza de maneira adequada. Na virada do século XIX para o XX, o tema da infecundidade se atrela ao debate sobre o povoamento da pátria e a sobrevivência da espécie. Médicos martelavam a ideia de que a esterilidade era um problema grave que tinha consequências para a ordem social e para a nação. Mudavam as razões e as explicações, mas o tema era sempre o mesmo: reprodução acima de tudo!

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Tempo de desejos contidos ou frustrados. Século hipócrita que reprimiu o sexo, mas foi por ele obcecado. Que vigiava a nudez, mas, olhava pelos buracos da fechadura. Que impunha regras ao casal, mas liberava os bordéis. A burguesia emergente, nas grandes capitais, somada aos senhores de terras e entre eles a aristocracia rural, distinguia dois tipos de mulher: a respeitável, feita para o casamento, que não se amava, forçosamente, mas em quem se fazia filhos. E a prostituta, com quem tudo era permitido e com quem se dividia as alegrias eróticas vedada, por educação, às esposas.

No século XIX, a sexualidade de dividiu em dois. De um lado, o sexo legítimo da união legal. Do outro, o sexo ilegítimo e clandestino, das relações adúlteras e da prostituição que se desenvolvem com o crescimento das cidades.  Tal sexo ilícito, herdeiro da libertinagem dos séculos precedentes, se consolidou graças ao bordel. Bordel que tinha, então, duas funções: a iniciação dos jovens e o estímulo das pulsões na idade adulta, idade carente de um acréscimo de excitação. A moda das anquinhas, por seu lado, valorizou um signo visual arcaico: o do posterior feminino, referência essencial para a excitação dos machos inscrita na memória ancestral.

Por outro lado, o fetiche dos pés, das nucas e cabelos abria a frente para certa fixação na qual jogos sensuais deslocavam o interesse das realidades concretas – a cópula – para celebração da mulher idealizada, entrevista apenas em pedaços. Graças ao romantismo, a realidade cotidiana se transfigurava num “saber-sonhar” que substituía o “saber-gozar”. A dissimulação do corpo feminino inaugurava o prazer perverso de olhar pela porta entreaberta. O jogo do esconde-esconde ou as proibições que se abatiam sobre a sociedade se tornou um trampolim para todo o tipo de fantasia erótica. Enquanto isso, o espaço doméstico da casa burguesa se via invadido por objetos manufaturados. Conforto rimava com felicidade. O sexo varrido para baixo dos tapetes era substituído pelo espírito de consumo que emergia no final do século XIX. – Mary del Priore.

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  1. Ermesson dos Santos Jr

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