Por Natania Nogueira.
Nos últimos dias, tenho lido e ouvido pessoas falando sobre o caso recente de estupro coletivo, onde cerca de 30 homens violaram uma adolescente indefesa. Fico imaginado como não ser considerada indefesa numa situação dessas: uma mulher contra 30 homens. Estupros coletivos não são uma novidade. Embora não se faça alarde sobre eles, são comuns desde a Antiguidade, e característicos de tempos de guerra. Os assírios os praticavam, os romanos os praticavam e os chamados povos bárbaros, também. Na Idade Média e na Idade Moderna não foi diferente.
Recordei-me do caso dos estupros coletivos na II Guerra Mundial, em especial o das mulheres alemãs. Pra quem não sabe, cerca de dois milhões de alemãs foram violadas ao final da II Guerra Mundial. Dos algozes, os mais lembrados são os soviéticos. Ao invadirem Berlim, eles levaram mulheres de 8 a 80 anos para as ruas e as violentaram em público, por vezes seguidas. Muitas se suicidam para não serem violadas, outras se mataram após terem sido violentadas por até mais de 12 vezes seguidas, durante vários dias.
As mulheres não declararam guerra, a esmagadora maioria delas não esteve no campo de batalha, mas elas tiveram que pagar pelas ações dos homens, concordando com eles ou não. Dois milhões de mulheres sofreram um dos mais profundos traumas que uma mulher pode sofrer. E não estamos contabilizando aqui as prisioneiras de campos de concentração, as francesas durante a ocupação nazista e durante a desocupação pelas tropas aliadas.
Se a II Guerra Mundial foi marcada pelo holocausto dos judeus, penso na mesma palavra para com as mulheres, milhões delas, que tiveram sua vida marcada pela violência física e psicológica. Não seriam elas também vítimas de um tipo de holocausto? Um que mata a dignidade e que tira de muitas de suas vítimas a vontade de viver, de conviver com as lembranças do horror sofrido.
Vamos falar de tempos recentes, quando meninas e mulheres são violadas diariamente, em países que vivem imersos em conflitos. Um dos maiores carrascos da atualidade é Estado Islâmico que sequestra, violenta e mata mulheres em ações que chocam todo o mundo, e para as quais não se encontra defesa. Sobreviventes narram os horrores de estupros coletivos e de abortos forçados. Muitas são vendidas como escravas sexuais. Essas mulheres e meninas são tiradas a força de suas casas, de suas famílias. O horror sofrido por elas é o mesmo sofrido pelas indianas, violadas em ônibus e becos escuros, simplesmente porque estão à disposição dos homens, ou eles assim pensam. Elas não estão em áreas de guerra, mas elas convivem com o medo deste tipo de violência porque são mulheres.
Nenhuma mulher pede para ser violada. Nenhuma mulher pede para ser agredida. E para os e as machistas de plantão que acham que a roupa que algumas mulheres usam atraem homens violentos, que essas mulheres por seu comportamento criam situações que levam ao estupro, saibam que a grande maioria das mulheres violadas não estava expondo seu corpo nem em situações que, de alguma forma, em alguma mente doentia, justificasse tal absurdo.
Vivemos num mundo doente, numa sociedade que não consegue ou não se esforça verdadeiramente para deter o que tem se chamado de cultura do estupro. Nesse contexto, os corpos femininos parecem não ter dono, são públicos. É como se eles não sentissem, não se importassem. Mesmo sabendo que a maioria dos homens não concorda com isso, eles também não tomam atitudes a este respeito. Muitos, homens e mulheres, justificam essa violência, talvez para mascarar a vergonha de não ter coragem de agir contra ela.
“Não concordo com isso, porém…”
Temos que dar basta neste “porém”. Não deve haver justificativa, deve haver punição e ela deve ser severa. Os homens têm que saber que serão punidos e todos, homens e mulheres, têm que entender que não há justificativa que valide tal ação. Nossos corpos não são públicos e nosso direito à dignidade não nos pode ser privado por terceiros.
Mulheres que se suicidaram em praça alemã para fugir do estupro coletivo.
Fonte: O Sentinela. Disponível em:http://osentinela-blog.blogspot.com.br/2014/10/2-milhoes-de-alemas-o-maior-estupro-em.html , acesso em 26 mai. 2016.
Márcia
Gostei do seu artigo. Bem abrangente e para todas as épocas.
Mas como fazer as mulheres serem respeitadas como queremos que nossas mães e irmãs também o sejam?
É um problema de difícil solução
Claro que sou contra, mas infelizmente, não tenho uma resposta coerente para o problema.
Oi, Arnaldo. Realmente, são hábitos e ideias já arraigados em nossa cultura e em nossas mentes (de homens e mulheres), mas temos que começar a mudar já. O excelente artigo de hoje, entretanto, não é meu, é da nossa querida colaboradora Natania Nogueira. Obrigada!