Os “meúdos”, como eram chamadas as crianças pequenas no passado, eram embalados por acalantos em redes, em xales enrolados nas costas das mães de origem africana, ou em raros bercinhos de madeira. Essas formas rudimentares de canto, sobre melodia simples e feitas, muitas vezes, com letras onomatopaicas a fim de favorecer a monotonia necessária para adormecer a criança, vieram de Portugal. Mas nossos indígenas tinham também acalantos de extrema doçura, como um, de origem tupi, no qual se pede emprestado ao Acutipuru, o sono ausente ao curumim. No idioma nhengatu, o acalanto é descrito como cantiga do macuru, sendo o macuru, o berço indígena. As “mães negras”, amas de leite, contavam por sua vez, aos pequenos tinhosos e chorões, estórias de negros velhos, papa-figos, boitatá e cabras-cabriolas. A cultura africana fecundou o imaginário infantil com assombrações como o mão-de-cabelo, o Quibungo, o xibamba, criaturas, que, segundo Gilberto Freyre, rondavam casas grandes e senzalas aterrorizando os meninos malcriados:
“Vamos atrás da Sé
Na casa da sinhá Tété
Caiumba
Ver a mulatinha
De cara queimada
Quem foi que a queimou
A senhora dela
Caiumba
Por causa do peixe frito
Embalar, cantando, a criança que dorme ou chora, sublinha a importância de certos gestos e atitudes face à primeira infância.
Para além dos cuidados materiais, as crianças recebiam, igualmente, aqueles espirituais. Compêndios de doutrina católica circulando no Brasil colonial recomendavam às mães e “amas” que se empenhassem “em fazer com que os mínimos que criam pronunciem primeiro que tudo os Santíssimos nomes de Jesus e Maria. Depois de levantados, quando tiverem algum conhecimento, os mandem beijar o chão, e que prostrados por terra lembrem do Inferno onde vão parar as crianças que fazem obras más e lhes expliquem o horror do fogo do Inferno”. O cardápio de práticas religiosas servido na pequena infância atendia a uma pastoral difundida em larga escala na Europa e na América-portuguesa. Ele incluía o hábito de dar o nome do santo de proteção que presidisse o dia do nascimento ou do batismo aos filhos se difundiu, bem como o de ter Nossa Senhora ou santos de devoção por padrinhos e madrinhas de batismo. O recebimento do batismo “sem dilatação” – como enfatizava o padre confessor Manoel de Arceniaga – era outra exigência. Criticando a habitual demora dos pais, a Igreja dava-lhes apenas oito dias de tolerância para a cerimônia, pois “era certo que os mínimos inocentes que morriam logo depois do batismo sem terem o uso da razão” iam direto para o céu sem passar pelo Purgatório. O batismo consistia não somente num rito de purificação e de promessa de fidelidade ao credo católico, mas uma forma de dar solenidade à entrada da criança nas estruturas familiares e sociais. A roupa branca bordada e os enfeites de fitas de diversas cores estendeu-se, no início do século XIX, até aos filhinhos de escravas. A parteira era muitas vezes convidada a ser madrinha da criança. Em liteiras de aluguel ou de empréstimo, ou a pé, essas matronas levavam os pequerruchos todos enfeitados à pia batismal. A cerimônia costumava reunir os próximos, padrinhos e madrinhas, traduzindo o enrijecimento de laços afetivos. “Entre os ricos – conta, ainda, Debret – o batismo é administrado no oratório da casa por um eclesiástico amigo da família; neste caso, a cerimônia religiosa constitui um pretexto para uma reunião brilhante, realizando-se por isso somente à tarde. As visitas feitas ao recém-nascido permitem uma alegre noitada que termina por um magnífico chá”.
No caso dos filhos de escravos e de libertos, os laços estabelecidos graças ao batismo, eram, também, étnicos e culturais. Os registros de batismo de localidades como Inhaúma e Jacarepaguá, no estado do Rio, para o início do século XIX, revelam que de 5% a 6% de escravos batizados tomavam os nomes de seus padrinhos e madrinhas escravos, numa forma de ampliar suas relações familiares. – Mary del Priore.
“O jantar brasileiro”, de Debret.