No início do século XX, não faltavam discordâncias – em um país livre da escravidão desde 1888 – para opinar sobre casamentos entre negros, mulatos e brancos: João Barreto de Meneses, filho de Tobias Barreto, dizia que os aceitaria “sem a menor relutância ou pesar algum”; seria “uma atração de ordem físico-psicológica […] nada veria eu que o pudesse impedir-lhe. Nem eu nem a sociedade”. Também pensava assim o paraibano Tito Henriques da Silva: “sou favorável à civilização misturada por negros, mulatos, caboclos, não fazendo questão que de que pessoas da família venham a contrair casamento com alguém de cor”.
Já Dona Isabel Henriqueta de Souza e Oliveira, baiana, não só se confessava antipática ao abolicionismo como dizia que qualquer mistura legal ou ilegal com alguém de ‘raça inferior” merecia censura. E não era minoria. Entre as mulheres que responderam a um questionário feito por Gilberto Freyre, a maioria não queria filha ou irmã casada com “pessoa de cor”. O paulista Júlio de Mesquita se insurgia até contra o hábito de alguns “disfarçarem a carapinha, tornando os cabelos lisos, por meio mecânico”. E concluía peremptório que “não aceitaria jamais o casamento de qualquer membro de minha família com gente indisfarçavelmente de cor”.
Nas camadas desfavorecidas, o racismo se colocava de outra maneira: pelo riso. Em 1933, pelas ondas do rádio, Gino Cortopassi fazia sucesso com um personagem português com sotaque carregado, o Zé Fidelis, que nem sempre escondia, por trás da fala lusitana, as rebarbas do ressentimento nascido dos processos de assimilação, então em curso. Em “O perfume da crioila”, paródia de um tango famoso, narrava, em formato milongueiro, o casamento dele próprio Fidelis, com uma mulata brasileira:
“Eu namurei uma crioila bem pretinha
cara dengosa, engraçadinha
Mas ela tinha um cheirinho esquisitu
De pombo assadu, de gato fritu”.
Malgrado a convivência, nas grandes cidades, entre brancos e negros, entre morro e asfalto, apesar da moda das “cabrochas” e do sambista erudito, nas décadas seguintes o racismo seguia presente. Agora em novo formato: não somente ditado pela cor, mas também pelas diferenças sociais, econômicas e de educação. Eram tardias as uniões formais ou consensuais, entre quem se identificava como “preto”. Era acentuado o celibato definitivo entre os homens. O casamento civil seguia sendo, apesar das mudanças chegadas com a República, “coisa de branco”.
No país da alardeada mistura racial, lembra a antropóloga Lilia Schwarcz, o nível de endogamia chegava a 79%. Quanto mais ao sul, maiores evidências de gente se casando dentro do mesmo grupo. Se a mestiçagem começava a aumentar – como atesta o crescente contingente de pessoas que se definem como pardas – isto se devia às uniões entre homens negros e mulheres brancas. Estas levando, então vantagens, sobre suas concorrentes pardas e negras. – Mary del Priore
Acervo do Instituto Moreira Salles.