Os colonizadores portugueses tinham em mente um modelo de sociedade a ser implantada nas terras da América: patriarcal, baseada na posse da terra, na religião católica, no conceito de cor e de pureza de sangue. Transplantava-se assim, um ideal de sociedade europeia, que obviamente passou por uma série de adaptações para se consolidar no Brasil. Um dos aspectos mais interessantes, que vou abordar aqui, é a questão racial.
Ser nobre era mais que possuir terras e bens. Era necessário ser admirado e reconhecido pelas classes sociais inferiores e pelos iguais. Apresentar uma árvore genealógica sem “mácula”, neste sentido, era fundamental: os “homens bons” não poderiam ter parentesco com judeus ou cristãos novos, homens “mecânicos” (trabalhadores manuais), negros ou mouros. O status do indígena foi vacilante: ora era valorizado, como aliado na missão colonizadora; ora era classificado como “negro da terra”, ou seja, de raça inferior – esta última visão acabou se tornando dominante.
No Brasil de então, era extremamente raro encontrar alguém que preenchesse tais requisitos. Mesmo porque a escassez de mulheres brancas limitava muito a formação de famílias socialmente desejáveis. Então, a sociedade foi se formando com base nas aparências: se a pessoa não tinha árvore genealógica “pura”, era possível fabricá-la. Esconder parentescos, comprar honrarias, adulterar documentos – esses eram os expedientes usados para driblar as regras existentes. Negros e mulatos ricos podiam ser aceitos, desde que apagassem suas origens raciais.
Essa carga negativa das raças inferiores – que acabou se voltando mais para os africanos e também para os indígenas – foi um dos elementos formadores da sociedade brasileira. A escravidão, amplamente aceita e até justificada pela Igreja, cristalizou o racismo entre nós. Necessária para viabilizar a economia da época, baseada no monopólio e voltada para o mercado europeu, a escravidão reservou aos africanos e seus descendentes o trabalho mais árduo e inferior que existia – mesmo sendo fundamental para a manutenção do sistema colonial.
Em vista deste quadro, não é de se estranhar que, após a Abolição (1888), a solução mais cotada para a questão racial tenha sido a do “branqueamento” da população, ou seja, um processo com objetivo de “apagar” da História do Brasil o africano. Ao invés disso, o Brasil se tornou um País miscigenado, com uma população resultante da mistura de diversos povos, mas que – paradoxalmente – recusa-se a encarar o próprio racismo e as heranças do escravismo. Enfim, em tempos de “bananas e macacos”, talvez seja hora de pensar no assunto com honestidade e um pouco mais de seriedade. – Márcia Pinna Raspanti
“Negro e negra da Bahia”, de Johann Moritz Rugendas.