Quilombos: refúgio e resistência

O quilombo parecia um vilarejo pobre como outro qualquer. A bandeira de São Benedito tremulava num alto bambu. Cachorros tomavam sol e defendiam as galinhas dos bichos do mato. Foice na mão, homens se dirigiam para a roça de milho e feijão ao fundo do círculo de palhoças. Mulheres com crianças às costas lavavam roupa. Debaixo de um telheiro, algumas descascavam milho. Num olho d´água, outras, lavavam a mandioca. Eram poucas.

Tinha negros, cabras, cafuzos e brancos. Alguns eram escravos de outros. Uns preparavam as armas para caçar pacas, tatus, perdizes e codornas. Outros amassavam barro com o qual fariam utensílios. Outros ainda, com o canivete, esculpiam pequenas imagens em madeira. Todos, porém, sabiam onde estava o ouro de aluvião. Faziam a lavagem com bateias e vendiam longe o minério apurado. Sabiam, também, que o minério estava se acabando.

Quilombo não era só refúgio. Era reação aos horrores da escravidão. Onde houvesse cativos, haveria fugas. Ali, vi adultos com marcas de maus tratos: o tendão cortado para que não fugissem. A marca F, de fujão, feita com ferro em brasa no ombro. Vi cicatrizes que fechavam como raízes sobre a pele: tinham sido tratadas com sal e limão para a ferida doer mais. E cortes na pele pelo peso da gargalheira ou das correntes.

Todos podiam caçar negros fujões: do capitão do mato, ex-escravo ele mesmo e conhecedor dos caminhos na serra, a quem quiser que denunciasse ou levasse o negro preso. Sim, as cidades e vilarejos temiam os quilombolas. Consideravam-nos insolentes. O que dizer se pegassem em armas? Matariam os brancos…

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Autoridades escreviam à Corte pedindo reforço para combatê-los. O medo estava no ar. E por isso mesmo, os senhores se organizavam. Proibiam a venda de pólvora e chumbo a negros, mulatos e mestiços. Confiscavam armas de ponta. Organizavam tropas pagas, nas quais colocavam seus próprios escravos para lutar com os quilombolas. Na verdade, temiam-nos. Mas temiam também ficar sem sua preciosa mão de obra, pois não tinham como repô-la. Perdia, também, a Coroa portuguesa que deixava de receber os impostos sobre o trabalho escravo.

Autoridades só não conseguiam controlar a cumplicidade entre homens livres e quilombolas. Os estalajeiros negociavam com eles objetos roubados. Vendeiros ofereciam-lhes fumo, sal, fumo e instrumentos de trabalho. O milho ou a mandioca produzida nos quilombos era vendida nas pequenas fazendas. Mulheres e jovens como Tiago eram mensageiros de tudo o que ocorria na cidade.  Esses colaboradores escondiam-nos noite adentro ou quando eram caçados. Tudo isso era proibido por lei. Mas a lei caia no vazio. O número de quilombos só comprovava que a ela era ineficiente (cerca de 150 só em Minas Gerais).

Mas antes de fugir, os escravos penavam… Nas minas, a rotina era pesada com jornadas que iam do amanhecer ao por do sol. Os bateadores, metidos até a cintura em córregos de água gelada, trabalhavam doze horas por dia. Para os que trabalhavam nas minas subterrâneas, outros riscos: escoras malfeitas, infiltrações, desmoronamentos. Quantos não foram enterrados vivos?! E tinha ainda, os mergulhadores: em rios profundos e munidos de uma pequena enxada, que reviravam o fundo de cascalho. Só contavam com o fôlego e a força de braços e pernas.

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Os invernos eram glaciais. A água, idem. Reumatismos, febres, pneumonias, tuberculose era o resultado de poucos anos de trabalho. Como se não bastasse o ofício terrível, a comida era ruim e pouca: angu, feijão, farinha de mandioca e sal. Fumo e cachaça ajudavam a adormecer no chão das senzalas, abertas ao frio e à chuva. Cobriam-se com trapos. Duravam pouco. (…)

Mary del Priore – “Nas trilhas do Ouro”. (adaptado)

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 O temido capitão do mato.

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