Quanto mais gordinha melhor?

Hoje estava tomando um café, sossegadamente, quando um ruidoso grupo de garotas, na faixa de seus 20 anos, instalou-se na mesa ao lado. Elas comentavam animadamente quais eram as meninas mais bonitas da faculdade. Então, uma delas disparou: “Fico com tanta raiva quando vejo uma menina gorda, mas bonita!”. A gargalhada foi geral. “Você ‘tá louca?? Isso não existe”, gritaram as outras. Cada uma começou a falar mais alto que a outra, explicando como os quilos a mais estragam a beleza feminina. Mas, será que sempre foi assim? Lembremos de algumas das mulheres de que falamos aqui nesse blog e que tinham problemas de peso: Leopoldina, Isabel, D. Teresa Cristina…Isso me fez lembrar um texto da professora Mary del Priore. Confira:

A obesidade no Brasil já tem custos. São um bilhão e cem milhões gastos com consultas médicas e tratamentos para excesso de peso. Estamos cada vez mais gordos, e mais caros! Vivemos numa sociedade lipofóbica que só nos quer magros e esbeltos e onde a medicina vê na obesidade um caso de saúde.

Antigamente era diferente. A definição social da corpulência era bem outra. Lembremos, por exemplo, que a entrada do açúcar e da batata no cardápio europeu modificou os modelos de beleza feminina. Entre os séculos XVI e XVIII, a Europa abandonava os seios pequenos e quadris estreitos das mulheres retratadas por pintores como Dürer, para mergulhar nas dobras rosadas das “gordinhas” de Rubens e Rembrandt. Gordura não era só sinônimo de beleza, mas, também, de distinção social. Nas sociedades do Antigo Regime, os indivíduos se distinguiam por sua capacidade em escolher determinados alimentos, em detrimento de outros. A nobreza podia se dar ao luxo de consumir cremes, manteiga, açúcar e molhos ácidos e temperados. Os pobres cozinhavam o pouco que comiam, com banha. Os derivados da cana, por sua vez, eram tão caros que só podiam ser consumidos como remédio.

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Nestas sociedades, o regime das elites ditava um ideal feminino que andava de par com a corpulência das grandes damas. Não havia formosura, sem gordura! E gordura era sinônimo de riqueza. Havia também uma correlação direta entre gosto alimentar e gosto sexual. Na poesia e na literatura do mesmo período, observa-se que os adjetivos empregados para designar a mulher amada e a comida são os mesmos: “delicada, suculenta, doce, deliciosa”, etc…

Em meados do século XIX, a obesidade começava a provocar interjeições negativas. Sobre as baianas, “os maiores espécimes da raça humana” dizia um estarrecido viajante estrangeiro de passagem pelo Brasil, que essas pesavam mais de 200 libras e andavam “sacudindo suas carnes na rua, e a grossa circunferência de seus braços”. As mulheres brancas eram descritas por observadores estrangeiros como possuidoras de um corpo negligenciado, corpulento e pesado, emoldurado por um rosto precocemente envelhecido. As causas eram várias: a indolência, os banhos quentes, o amor à comodidade, o ócio excessivo desfrutado numa sociedade escravista, o matrimônio e a maternidade precoces, as formas de lazer e de sociabilidade que não estimulavam o exercício físico, o confinamento ao lar impregnado de apatia onde prevalecia o hábito de “desfrutar de uma sesta, ou cochilo depois do jantar”, como explicava, em 1821, o inglês James Henderson.

Apesar do declarado horror à obesidade, os viajantes estrangeiros reconheciam, contudo, que o modelo “cheio”, arredondado, correspondia ao ideal de beleza dos brasileiros, o que explicavam pela decorrência do gosto de seus ancestrais. Gorda e bela eram qualidades sinônimas para a raça latina meridional, incluídos ai os brasileiros, e para explicar essa queda pela exuberância, era invocada a influência do sangue mourisco. Dizia-se que  maior elogio que se podia fazer a uma dama no país era estar a cada dia “mais gorda e mais bonita”, “coisa – segundo o inglês Richard Burton, em 1893 – que cedo acontece à maioria delas”.

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O século XX trouxe transformações. Desde o início do século, na Europa, multiplicavam-se os ginásios, os professores de ginástica, os manuais de medicina que chamavam atenção para as vantagens físicas e morais dos exercícios. As ideias de teóricos importantes como Tissot ou Pestalozzi  corriam o mundo. Uma nova atenção voltada à análise dos músculos e das articulações graduava, os exercícios, racionalizando e programando seu aprendizado. Não se desperdiçava mais força na desordem de gesticulações livres. Os novos métodos de ginástica investiam em potencializar as forças físicas e as mulheres começam a pedalar ou a jogar tênis na Europa. Não faltou quem achasse a novidade, imoral, uma degenerescência e até mesmo, pecado.

Na Europa de onde vinham todas as modas, a entrada da mulher no mundo do exercício físico, do exercício sobre bicicletas, nas quadras de tênis, nas piscinas e praias, trouxe também a aprovação de corpos esbeltos, leves e delicados. Tinha início a perseguição ao chamado “enbompoint”, – os quilinhos a mais – mesmo que discreto. O estilo “tubo” valorizava curvas graciosas e bem lançadas. Regime e musculação começavam a modelar as compleições esguias que passam a caracterizar a mulher moderna, desembaraçada do espartilho e ao mesmo tempo, de sua gordura decorativa. Insidiosamente, a norma estética, emagrece, endurece, masculiniza o corpo feminino, deixando a “ampulheta” para trás. Chegou a moda da “quanto mais magra, mais bonita”. Moda difícil de seguir, pois as brasileiras, hoje, continuam a ganhar formas e curvas. – Mary del Priore

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renoir

“A banhista loura”, de Renoir (1882).

6 Comentários

  1. Nilman Santos
    • Márcia
  2. Nagila
  3. andrea freitas
  4. Obesa mórbida
  5. yann

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