QUANDO O MUSEU É UM ESPAÇO PARA SE COMPATILHAR UMA PAIXÃO

Por Natania Nogueira.

Recentemente, visitei São Matheus, que fica no norte do Espírito Santo, cuja origem remonta ao ano de 1544. A cidade guarda a memória da escravidão no Brasil, tendo sido um dos principais portos onde desembarcavam escravos vindos da África. Em sua gente e em seu patrimônio histórico preservado, São Matheus é hoje uma referência para estudiosos da cultura afro-brasileira.

E nada simboliza mais a importância do negro na História do Brasil do que o Museu Intercontinental ÁfricaBrasil, criado pelo escritor e historiador Maciel de Aguiar, que contou com o apoio de dois ilustres intelectuais brasileiros, o antropólogo Darcy Ribeiro e o romancista Jorge Amado, para reunir peças importantes da cultura africana, espalhadas em diversas partes do planeta. A paixão pela história e pela arte africana resultou em uma coleção composta por 4.800 peças produzidas por povos de origem africana, um dos maiores acervos de arte tribal africana do mundo. Um trabalho quer começou na década de 1960 e que deve seu êxito à dedicação de Maciel de Aguiar.

A paixão pela arte e pela história têm sido por muito tempo o combustível para o desenvolvimento de projetos que deram origem a alguns dos espaços culturais e museus mais importantes do Brasil e do mundo. Dos mais modestos, aos mais requintados, muitos deles só existem graças a intervenção de membros da comunidade. O Museu Intercontinental ÁfricaBrasil, por exemplo, quase não conseguiu abrir as portas, e seu acervo correu o risco de ser transferido para a Bahia. Foi preciso a sociedade civil intervir. Inaugurado em 2012, o museu é mantido por recursos próprios através do Instituto ÁfricaBrasil, sociedade civil sem fins lucrativos.

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Histórias semelhantes podem ser encontradas por todo o país. O Museu Espaço dos Anjos, instalado na casa onde morou Augusto dos Anjos, por exemplo, foi criado originalmente pelo artista plástico Raphael Domingues Rosa. Apaixonado pela poesia de Augusto dos Anjos, Raphael reuniu um valioso acervo sobre o poeta paraibano e, durante mais de duas décadas, manteve o único espaço cultural da pequena cidade de Leopoldina (MG). Para isso custeava o aluguel e a manutenção da casa com seu salário de professor, complementado pela pequena renda que conseguira a partir de aulas particulares de pintura. Somente após sua morte, e a partir da intervenção as sociedade civil, o poder público desapropriou o imóvel e assumiu responsabilidade sobre o museu.

O que por um lado são histórias inspiradoras, de pessoas que dedicaram suas vidas a reunir e preservar o patrimônio histórico e cultural de um povo, são também registros do descaso do poder público com a cultura no Brasil. Muitas das leis que garantem a preservação do nosso patrimônio são ignoradas. Se a intervenção da comunidade consegue, em alguns casos, garantir a preservação, em outros não é suficiente para sensibilizar os gestores públicos, que não enxergam a importância de destinar recursos para a manutenção de museus, espaços culturais e projetos de educação patrimonial.

A mudança dessa mentalidade, infelizmente, ainda está longe de acontecer. Ela passa por um longo e profundo trabalho de conscientização. É preciso esclarecer à comunidade a importância desses espaços de memória, é preciso valorizar a cultura local para que a cultura nacional seja também valorizada. No Brasil, é a paixão pela cultura que tem possibilitado o acesso a espaços culturais e é a partir dessa mesma paixão que devemos exigir dos governos maior sensibilidade e comprometimento para com a formação humana do cidadão brasileiro.

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SUGESTÃO DE LEITURA:

Museu ÁfricaBrasil em São Mateus/es. Portal A Capoeira. Disponível em: http://portalacapoeira.blogspot.com.br/2012/02/museu-africa-brasil-em-sao-mateuses.html, acesso em: 04 fev. 2015.

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Museu Intercontinental ÁfricaBrasil.

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