Os poderes afrodisíacos da pimenta e outros alimentos “quentes”

Como se vivia no passado à maldição da impotência? Que cuidados existiam para aprimorar a então chamada “obra de Vênus”? Ora, sabemos que a potencialização da luxúria tinha função explícita: restaurar o arsenal sexual do amante, solicitar, acordar e excitar o apetite viril. Isso, pois nessa cultura e nesses tempos, o sentido da vida passava pela medida de virilidade e fecundidade. Virilidade e fecundidade eram testes fundamentais quanto à capacidade de homens e mulheres interpretarem seu próprio papel na cena das representações insidiosas da carne. Insidiosas, porém necessárias. Afinal, “o crescei e multiplicai-vos” era obrigatório e a Bíblia já o tinha estipulado.

Tal preocupação foi estrutural na sociedade ocidental cristã. Só que, na Idade Média, os limites entre virilidade, fecundidade e os desdobramentos do desejo sexual excessivo ainda não tinham sido de todo demarcados. Os filtros do amor, por exemplo, alimentaram a literatura do renascimento medieval. O exemplo máximo é a estória de Tristão e Isolda, onde a poção mágica tem decisiva importância na trama que leva a heroína aos braços do herói. No século XII, o filtro é considerado um instrumento legítimo do desejo. Mas uma virada ocorreu. O casamento monogâmico e indissolúvel, tal como foi instituído pela Igreja Católica no século XII, era considerado um remédio contra a concupiscência. Seu objetivo fundamental era a procriação e os filhos. A felicidade e o desejo eram secundários. Prova disso é que, um século mais tarde, uma acirrada repressão se abateu sobre práticas afrodisíacas baseadas em poções, sua condenação explicitando-se até no Manual dos Inquisidores escrito pelo Inquisidor Nicolau Eymerich, em 1376.

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Nos registros da colonização portuguesa, tanto na Ásia quanto na América, os afrodisíacos aparecem tanto, que nos fazem crer que fossem buscados com insistência. Era como se, no início da Idade Moderna, quer a tradição afrodisíaca quanto aquela outra, normativa recém-instaurada, ainda estivessem largamente imbricadas. Garcia da Orta, autor seiscentista português, preocupa-se em registrar, nas suas observações de naturalista, tudo que pudesse dizer respeito à disfunção ou ao aprimoramento das funções sexuais. Em suas obras, ele menciona o âmbar, “bom para conversação com mulheres”; a “assafétida” para “levantar o membro” e para as “festas de Vênus”; as cubebas para “ajudar a Vênus” e o bétel “que para as bodas de Vênus é principal alcoviteiro”.

Até mesmo o ópio, conhecido como “anfião”, segundo um surpreso Orta era usado com fins luxuriosos, pois embora “os físicos todos letrados me afirmavam tornava os homens impotentes” ele deixava os homens “fora de si” estimulando a “virtude expulsiva”, ou seja, aquela que “deita nos testículos a virtude genital”. Comia-se ópio para prolongar o prazer sexual, ou, como se dizia então, “para acabar o ato venéreo mais tarde”. A banana e o figo, segundo o mesmo autor, possuíam, por virtudes analógicas óbvias com as partes sexuais masculinas, as mesmas virtudes de “excitar a deleitação carnal”. A jaca assada com castanhas, idem, segundo Cristóvão de Acosta, médico e naturalista português. O banguê, ou maconha, era mastigada para ajudar o “ato venéreo” ou ingerida em pó, misturada a cravo e noz-moscada.

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A própria pimenta, especiaria responsável pelo comércio ultramarino, permitia associar o ardor do alimento com a inflamação erótica, sendo considerada “fumacenta e penetrativa, prejudicial, porém, à saúde, maiormente da alma, porque provoca a sensualidade”. Perfumes e odores, como o almíscar, extraído do castor, ou o âmbar gris, extraído do intestino de cachalotes, aproveitavam-se muito para a “conversação com mulheres”. E o século XVII, o mesmo que assistiu a uma avalancha de processos contra impotentes, assistiu, também, ao desenvolvimento de polvilhos, contas, incensos, pastilhas, águas odoríferas com nítida referência afrodisíaca. – Mary del Priore

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  1. Joel Balduino da Silva Junior

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