Creio que a Revolução de 32 ou Constitucionalista é um dos episódios mais mal interpretados da História do Brasil. Por um lado, tornou-se uma “bandeira” dos paulistas, alimentando sentimentos de grandeza e superioridade. Em contrapartida, o acontecimento é retratado como mera reação da oligarquia ao governo “popular” de Getúlio Vargas. Em outras palavras, uns veem o episódio como motivo de orgulho, outros de vergonha. Felizmente, a História é tão simples e nunca se encaixa em modelos ideológicos pré-concebidos.
Para entender a Revolução de 32, precisamos voltar um pouco no tempo. A República Velha – que terminaria com uma outra revolução, a de 30 – vinha sofrendo com dificuldades econômicas, principalmente pela queda do preço do café. O tenentismo foi uma das manifestações de descontentamento ( que desdobraria na Revolução de 24). A crise mundial de 1929 acirrou ainda mais os problemas.
A chamada “política dos governadores” vinha funcionando relativamente bem, até o presidente Washington Luís insistir em fazer do também paulista Júlio Prestes seu sucessor. Desfez-se assim o pacto entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerias. O gaúcho Getúlio Vargas era o candidato da oposição pela Aliança Liberal. Um acontecimento iria impulsionar a Revolução de 30: o assassinato do candidato da AL a vice, João Pessoa, mais por razões pessoais e familiares que por questões políticas.
Estoura o golpe, levado avante principalmente pelos militares, que derruba o recém-eleito Júlio Prestes. Depois de uma Junta Provisória, Getúlio toma o poder, com apoio do exército, marinha e das elites do Rio Grande do Sul e de outros estados. Como destaca Bóris Fausto*: “as relações de produção, com base na grande propriedade agrária, não são tocadas, o colapso da hegemonia da burguesia do café não conduz ao poder político outra classe ou fração de classe com exclusividade”.
Getúlio tomou medidas de caráter centralizador e autoritário, nomeando interventores nos estados e reduzindo drasticamente sua autonomia. Isso causa insatisfação entre diferentes classes sociais de São Paulo, em especial as oligarquias, e de Minas Gerais, Rio de Janeiro e do próprio Rio Grande do Sul. Em 1932, os paulistas resolveram promover, então, a revolução, contando com o apoio dos outros estados – que na hora recapitularam e deixaram São Paulo sozinho contra o governo federal.
A população se engajou na “guerra dos paulistas”, inclusive os industriais, os cafeicultores, as classes médias e boa parte dos trabalhadores. Para envolver todos estes grupos, usou-se a forte imagem de São Paulo como motor da economia, uma locomotiva puxando os 20 vagões dos outros estados. Todos queriam a volta da Constituição de 1891 e da autonomia. Houve até doações de dinheiro e joias para ajudar na revolução. O assassinato de estudantes (o famoso MMDC) também inflamou os ânimos.
Foram três meses de combates até a rendição das forças paulistas. A Revolução de 32 foi muito mais do que a tentativa da oligarquia paulista retornar ao poder, também representou uma rejeição à política autoritária do governo Vargas, que culminaria com a criação do Estado Novo em 1937, quando o país viveria uma das ditaduras mais sangrentas de sua história.
Os efeitos do movimento de 32 foram importantes e fizeram o governo central a entender a necessidade de negociação com as elites paulistas (lembre-se de que Vargas manteve a política de manutenção de preços do café). Seria aprovada uma constituição em 1934, de cunho liberal, incorporando boa parte das revindicações da “guerra paulista”. Infelizmente, em 1937, ela é revogada, sendo imposta em seu lugar uma nova constituição conhecida como a “Polaca”, extremamente autoritária e que regeria a ditadura recém-implantada.
Enfim, nem heróis, nem vilões, como sempre o contexto é bem mais complexo do que deixam transparecer algumas análises que têm circulado ultimamente.
– Texto de Márcia Pinna Raspanti.
Realmente a “Revolução de 1932” foi e continua sendo um episódio muito mal compreendido. Conforme informado no inicio do artigo, a revolução suscitou sentimentos de grandeza nos paulistas. Sentimentos estes que volta e meia ressurgem nos discursos populistas de políticos conservadores de nosso Estado e também em boa parte da elite paulista. Movimentos separatistas surfam na onda desses discursos, sempre evocando o espírito bandeirante e o ímpeto separatista que surgiu durante a revolução. Este ultimo, diga-se de passagem não teve a receptividade esperada. Outro ponto também mal compreendido, é o fato de que o MMDC não terem sido estudantes e tampouco os únicos mortos durante a manifestação de 23 de maio, que no caso de acordo com a historiadora Vavy Pacheco, foram mortos 11 naquela ocasião.
O artigo está ótimo, pois não trata a Revolução de 32 (e também nenhum outro tema aqui no blog) de forma fechada, com data de inicio e fim, mas busca seus antecedentes, seu germen em fatos passados.
Obrigada, Ivan. Esse é um episódio que gera uma espécie de disputa entre diferentes concepções políticas, tanto no âmbito da exaltação da suposta “heroica alma paulista” como no ataque aos alegados sentimentos de superioridade dos moradores de São Paulo. A revolução de 32 foi muito mais do que deixa transparecer essa discussão tão simplista.