Se os colonos frequentemente recorriam à feitiçaria para fazer o mal aos seus inimigos, causando doenças e dificuldades, eles usavam dos mesmos expedientes também para curar-se. Ervas e plantas medicinais, além de fluidos corporais humanos e de animais, pedras e terra, eram utilizados em rituais de cura. O tratamento de das moléstias implicava, quase sempre, superstições e feitiços.
Mary del Priore, em “Ao Sul do Corpo”, conta que a esterilidade e a impotência, motivos de vergonha e preocupação na época, eram tratadas com misturas bastante exóticas aos olhos de hoje.
“Tomar erva de carrapatos ou figueira do inferno e metida em uma panela nova se lhe lance em cima urina do doente e depois de cozida se enterre em parte, ou lugar fora do caminho, porque o feitor do malefício sentirá grandes dores, e estimulado disto desfará o malefício”.
A autora destaca que, na Colônia, havia a crença de que havia poderes demoníacos sobre o corpo e a sexualidade – fato, aliás, constante em todos os manuais inquisitoriais de demonologia – que exigiam medidas combativas contra a esterilidade. “Além de buscar a neutralização do mal, tais receitas, quando não eram eficientes, serviam como desculpa para esposos interessados em reverter o quadro de indissolubilidade matrimonial alegarem o não cumprimento do débito conjugal”, diz.
Era muito comum ainda recorrer a feitiços e encantamentos para manter ou conquistar um amor. As “cartas de tocar” foram bastante populares na época, e acreditava-se que bastava encostar as tais cartas no objeto do desejo para atraí-lo irremediavelmente. Havia ainda orações e sortilégios, além das poções, beberagens e unguentos preparados para finalidades amorosas ou sexuais.
As feiticeiras e bruxas eram muito requisitadas para estes fins, e usavam elas mesmas os encantamentos para seus interesses amorosos. Apesar de a bruxaria estar muito ligada às mulheres, há registros de homens que praticavam as “artes do demônio” nos tempos coloniais – principalmente de origem africana ou indígena. As denúncias ao Santo Ofício refletiam os conflitos entre vizinhos, conhecidos e familiares, além das tensões entre senhores e escravos. – Márcia Pinna Raspanti
Representação do Sabbat, de Goya: a bruxaria era frequentemente associada a figuras femininas.
Ainda hoje, especialmente estimuladas por algumas religiões e seitas, muitas crendices persistem e até outras são “criadas”.
Li há algum tempo uma notícia sobre uma mulher que sofria de anorexia. No final da reportagem, alguns comentários. Um deles dizia que o caso da moça era demônio no corpo, e que ela precisava ir a uma igreja.
Isso, em pleno século XXI.