Famílias plurais: as uniões não sacramentadas pela Igreja

     Famílias e mestiçagem são, desde sempre, assuntos que interrogam e apaixonam os historiadores. Igor Santos, não escapou. Debruçado sobre documentação inédita referente à Sabará na segunda metade do século XVIII, espaço de muitas cores, muita gente e muitas uniões, mostrou com brilhantismo como se deram as sinergias que moldaram nosso passado. Com profundo conhecimento da historiografia e da documentação, o autor demonstra que o tema se renova. Nada de “famílias” em caixas com rótulos, mas composições heterogêneas nascidas das condições de vida, do encontro de corpos, de sensibilidades específicas e, por que não, de vivências afetivas  e sentimentos!

      Hoje, chamadas pelos sociólogos de famílias-mosaico, Igor revela, porém, que concubinatos, mancebias, adultérios e ligações consensuais longevas organizaram, desde sempre, a sociedade brasileira. Eram as famílias-plurais nascidas, não na margem ou na periferia como quiseram alguns autores, mas aceitas e fonte de estabilidade para seus contemporâneos. Eram arranjos de sobrevivência, mas, sobretudo, projeção de outras visões de mundo. Cosma e Estevão, Ignácia e Manoel, Lourença e Jacinto são dos muitos casais cuja história é reconstituída com seriedade e competência. Como bem resume o autor, “as uniões não sacramentadas pela Igreja Católica, constituíram-se num princípio familiar e, para muitos indivíduos que, lá (no Reino) ou cá (na colônia) já eram casados, elas atuaram, ainda, como uma possibilidade de se constituir uma nova família, sem, contudo, desfazer os seus enlaces matrimoniais. Perceberemos que fatores como o desejo pela união consensual, aspectos migratórios, a busca pela adaptação à realidade mestiça encontrada na América portuguesa, dentre outros, ajudaram a pluralizar a sociedade sabarense e, em última instância, os arranjos familiares que foram, ali, constituídos no transcorrer do século XVIII”.

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     Ao driblar a vigilância da Igreja que buscava impor suas normas em toda a Colônia, ou adequar-se a da vizinhança, famílias plurais misturavam pessoas de diferente cor, “qualidade” e universos culturais distintos. Enfim, eram a opção por uma vida conjunta flexível e dinâmica. Mais além, as famílias plurais invertiam valores e enfrentavam a estrutura engessada da sociedade escravista em que residiam laivos do Antigo Regime europeu. Bem escrito, bem embasado e bem construído, o livro de Igor Santos nos ensina quem fomos. Mas, nos faz refletir, também, sobre quem somos!

  • Texto de Mary Del Priore.

“Famílias Plurais”, de Igor Santos (capa)

 

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