Causou muita polêmica, inclusive com repercussão internacional, o fato do ministério do governo interino ser composto apenas por homens brancos, em contraste com a diversidade da sociedade brasileira. O governo tentou minimizar a situação, convidando mulheres para algumas secretarias e cargos importantes, mas o estrago já havia sido feito. Muita gente acha que o debate em torno desse tema é absurdo, e até ridículo, afinal competência não tem nada a ver com gênero. Sim, competência não tem relação com gênero, concordo. Agora, proponho uma inversão nessa análise. Se as mulheres representam mais da metade da população brasileira, são maioria nas universidades e estão em todas as áreas do mercado de trabalho, não causa estranheza que nenhuma esteja apta a ser ministra? E sabemos que a escolha dos ministérios no Brasil, tradicionalmente, obedece a critérios políticos tanto quanto técnicos (ou mais). Então, excluir as mulheres foi uma decisão, sobretudo, política do atual governo. Não vamos discutir nesse pequeno artigo as implicações ou as razões dessa postura: já existem analistas capacitados se ocupando de tal tarefa. Aqui, vamos recorrer à História para recordar a trajetória difícil das mulheres brasileiras em busca de maior participação política.
O primeiro desafio foi conquistar o direito ao voto, o que só ocorreria em 1932, sendo consolidado na Constituição de 1934. Mas as mulheres já estavam engajadas nessa luta muito antes disso. Em meados do século XIX, Nísia Floresta, por exemplo*, reivindicava o direito das mulheres à educação, o que permitiria maior participação política. Já no século seguinte, pressionado por Leolinda Daltro, fundadora do Partido Republicano Feminino, o senador Justo Chermont, em 1919, propôs uma lei a favor do sufrágio feminino. Em 1921, tal projeto passou pela primeira votação, mas jamais foi realizada a segunda e necessária rodada de votação para converter o projeto em lei. Nessa época, ocorreram campanhas sistemáticas na imprensa: as feministas eram ridicularizadas e as mulheres vistas como incapazes de escolher seus representantes ou de ocuparem cargos políticos. Em 1927, o Rio Grande do Norte antecipou de forma pioneira no voto feminino. Lá foi registrada a primeira eleitora, Celina Guimarães Viana, que requereu o alistamento baseada no texto constitucional do estado que mencionava o direito ao voto, “sem distinção de sexo”. Em seguida, o estado elegeu, em 1929, a primeira prefeita da América do Sul, Alzira Soriano, na cidade de Lajes. O seu governo durou apenas sete meses, pois com a Revolução de 30, Alzira perderia seu mandato.
A primeira deputada eleita para a Câmara dos Deputados foi Carlota Pereira de Queiroz, de São Paulo, em 1934. Antonieta de Barros foi a primeira deputada estadual negra na Assembleia de Santa Catarina (1935). A primeira senadora foi Eunice Michiles, do Amazonas, eleita suplente, tendo assumido o cargo em 1979, em vista da morte do titular. Já Laélia de Alcântara foi a primeira senadora negra da história e a terceira parlamentar, formando a bancada ao lado de Eunice Michiles, em 1981. Laélia, em sua rápida passagem pelo Senado, lutou contra o racismo. Até hoje, a mulher negra é sub-representada no parlamento. As mulheres demoraram para conseguir uma posição em um ministério. A paulistana Esther de Figueiredo Ferraz ocupou a pasta de Educação e Cultura no governo do general Figueiredo. Ela foi pioneira em outras áreas também, sendo a primeira mulher a lecionar na Universidade de São Paulo (USP) e a primeira a ocupar uma cadeira na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na comissão de Ética. Foi também a primeira reitora de uma universidade paulista, a Universidade Presibiteriana Mackenzie. Após Figueiredo, todos os governos que se seguiram contaram com mulheres em seu ministério – até agora.
É importante destacar que, se a primeira mulher eleita presidente da República do Brasil foi Dilma Roussef, no Império, as mulheres ocuparam o cargo de chefe de estado, mesmo que breve e interinamente, e devido a laços familiares. Pode-se dizer que a primeira mulher a comandar o Brasil foi D. Maria I, conhecida como a Louca. Ela assumiu o trono de Portugal em 1777, mas governou o país efetivamente apenas por 15 anos devido a problemas mentais, deixando para D. João, seu filho, essa responsabilidade de fato. D. Maria I morreu no Rio de Janeiro, em 1816. Em 1815, o Brasil tinha deixado de ser colônia sendo elevado à categoria de reino, Reino do Brasil, Portugal e Algarves. Durante o turbulento período que marcou a independência do Brasil, D. Leopoldina, casada com D. Pedro, que seria nosso primeiro imperador, atuou como regente em 1822, na ausência do marido. E também devemos lembrar que a princesa Isabel substituiu o pai, D. Pedro II, em diversas ocasiões. A Lei Áurea, por exemplo, foi assinada durante uma de suas regências, em 1888. Isabel seria a sucessora do trono quando o imperador morresse, o que causava muita resistência na época, muito pelo fato de ela ser mulher.
Enfim, as mulheres, apesar das dificuldades, sempre estiveram presentes na política brasileira, buscando seu espaço. É uma pena, que em pleno século XXI, ainda sejamos sub-representadas, e estejamos assistindo a um retrocesso tão grande no governo que se forma.
Texto de Márcia Pinna Raspanti.
- Saiba mais em: “Feminismo brasileiro: as pioneiras”, de Mary del Priore.
- Dica: o Senado Federal disponibiliza gratuitamente o livreto Mulheres na Política – 2ª edição
Imagem: TSE.