Por Natania Nogueira.
Nós discutimos muito sobre patrimônio cultural, memória, educação patrimonial, mas sempre tendo em vista a esfera pública. Mas, para além dela, existe a esfera privada, onde iniciativas de preservação e incentivo à cultura são colocadas em prática. Essas iniciativas têm como locus a construção de uma memória empresarial que, apesar de suas singularidades, não pode ser dissociada das demais ações encampadas pela sociedade. Embora tenha objetivos específicos, a construção da memória empresarial não está tão distante daquilo que a sociedade civil, por meio do poder público, vem reivindicando nas última décadas.
Por lei, as empresas precisam manter organizados e devidamente arquivados documentos de caráter fiscal ou comprobatório. Na era digital, documentos eletrônicos também precisam ser devidamente arquivados. Mas o que acontece, na maioria das vezes, é o expurgo de uma documentação cujo valor histórico pode ultrapassar os limites da instituição que a produziu. O que temos, então, é não apenas o esquecimento, mas a destruição de uma memória que poderia gerar não somente conhecimento mas, também, vantagens para a empresa.
A falta de uma visão empresarial empreendedora é um obstáculo à preservação da memória que está contida e esquecida em edifícios e arquivos que nada mais são do que depósitos desorganizados de documentos. Esses documentos, a exemplo do que acontece com arquivos públicos, vão se perdendo com o tempo até se encontrarem em um estado tão agravado de decomposição que se tornam um risco para a saúde pública. São, então, expurgados.
Assim como a memória tem uma função social para a sociedade na sua totalidade, ela também auxilia a empresa a construir uma imagem positiva, reafirmando sua identidade e conquistando tanto a confiança de seu público consumidor, quanto a dedicação de seus funcionários. A empresa, enquanto instituição, precisa despertar em seus colaboradores o sentimento de pertencimento, a fim de que sua dedicação ao trabalho possa ultrapassar a simples necessidade de prover o lar a partir de um salário. A memória empresarial, dessa forma, vai muito além de resgatar a história. Ela registra sua cultura organizacional a partir de sua identidade e dos seus princípios básicos.
A Memória Empresarial, assim como as ações de preservação do patrimônio cultural local e nacional, está relacionada com a valorização da cidadania, a transparência e responsabilidade social, além da missão e dos valores empresariais que cultiva. Temos atualmente empresas que se especializam em prestar esse tipo de serviço. Elas criam projetos de Centros de Memória, organizam arquivos, exposições, elaboram publicações e trabalhando juntamente com as áreas de comunicação e de gestão. Essas empresas são formadas por profissionais das mais diversas especialidades, como historiadores, museólogos, jornalistas, arquitetos e arquivistas.
Grandes empresas, públicas e privadas, têm investido em centros de memória como uma forma de abrir suas portas para a comunidade e ampliar seu relacionamento com grupos estratégicos, estabelecendo uma relação de confiança e disseminando os valores da empresa. Há posições contra e a favor desse tipo de ação. Alguns acusam essas empresas de investir numa memória seletiva, que mostra apenas aquilo que valoriza o trabalho e o produto da empresa. Outros afirmam que essas iniciativas ajudam a preservar parte da memória empresarial e disponibiliza para pesquisa a documentação uma documentação volumosa, dando acesso a pesquisadores a um material que, até então, era de uso exclusivo da empresa.
Embora eu não seja ingênua a ponto de achar que as grandes empresas investem em cultura de forma engajada e desinteressada eu acredito que essas ações estimulam o sentimento de pertencimento e a consciência da necessidade da preservação. Elas mostram que podemos preservar e lucrar com isso. Além disso, abrem um novo nicho no mercado onde profissionais como historiadores e museólogos podem atuar e produzir um bom material de pesquisa.
Museu da Cervejaria Bohemia, onde é o prédio da fábrica da cerveja em Petrópolis (RJ)
Sugestão de leitura:
COSTA, Alessandra de Sá Mello da (et.al). A Construção da Memória Empresarial como Estratégia de ComunicaçãoOrganizacional: Uma Discussão Inicial. Anais do XXXVI Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro, 22 a 26 de setembro de 2012. Disponível em http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_EOR2771.pdf, acesso em 21/05/2014.
WEIS, Beatriz Regina. O RESGATE DA MEMÓRIA EMPRESARIAL E SUA IMPORTÂNCIA. Disponível em http://hipermidia.unisc.br/pesquisarebom/images/beatriz.pdf, acesso em 21/05/2014.
Como você bem disse, as empresas não preservam simplesmente pelo amor ao patrimônio. Fazem-no, primeiro, pela imagem e pelo lucro. Mas, ainda assim, a atitude de preservar é válida.
A Cervejaria Bohemia é realmente fantástica. Tive o prazer de conhece-la pessoalmente, com toda a calma do mundo. A Ambev mandou muito bem ao preservar a história da primeira cerveja fabricada no Brasil e de continuar a produzi-la, ainda que em pequena escala, em Petrópolis, sua terra natal.
Osvaldo, do jeito que eu tenho visto prédios públicos e privados sendo colocado no chão dia após dia, arquivos apodrecendo em porões e museus abandonados, faço maior gosto nessas iniciativas empresariais. Que venham tantas quantas forem possíveis, com seus prós e contras. Melhor isso do que nada, não é?