Com o afrouxamento dos controles, o corpo feminino apto para o prazer descobriu-se. As mulheres começam a se despir, para praticar esportes, para dançar, para atuar nos palcos ou para vender-se.
Um dos seus aliados foi a lingerie. O campo do erotismo ganhou muito com o desenvolvimento da indústria têxtil no início do século XX. A expressão “roupa de baixo” ou “lingerie” apareceu no início do século a cavaleiro de uma indústria que aproveitava rendas e bordados para sua ornamentação. A adoção da calçola fendida, aberta para as senhoras e fechadas para as senhoritas, mas, sobretudo, guarnecida de fitas, frufrus e babados desviou o olhar masculino para outras partes do corpo da mulher. Foi o momento do canto do cisne para o espartilho. Considerados insalubres, eles se acomodavam mal das liberdades das mulheres nos Anos Vinte. Grandes costureiros franceses, copiados no Brasil, como Paul Poiret, o baniram. Eles concebiam roupas para corpos livres, leves e soltos.
A revista Fon-Fon, em seu número de março de 1909, fazia a apologia do sans-dessous, ou seja, de combinações leves que valorizavam a “toilete esguia, gênero colante em que se exibia a linha esbelta de um corpo”, evidenciando “os encantos femininos”:
“Ah! A robe collante – o vestido colante! Ah! O sans-dessous! Faziam tanto bem aos nossos pobres olhos ávidos de celibatários…”, suspirava o jornalista.
A pá de cal chegou com a I Guerra Mundial, na Europa. Enquanto os homens se enfrentavam nas trincheiras, as mulheres faziam o trabalho nas indústrias e no campo. Para isso, precisavam dos braços livres, sem contar que o aço das antigas barbatanas passou a servir para a fabricação de armas. A descoberta da borracha permitiu a confecção de uma espécie de cinta, mais fácil de enfiar do que os espartilhos. Da cinta para o sutiã, inventado nos Estados Unidos, em 1913, foi um passo. Mais magras, pois assim ditava a moda, as mulheres recorriam à faixas apertadas para disfarçar os seios. Com a diminuição das saias, anáguas e calçolas foram substituídas. E as meias, antes em fio grosso, foram suplantadas por meias de seda que ao mesmo tempo velavam e revelavam a nudez das pernas.
Na intimidade das brasileiras, certo apuro no consumo das chamadas “roupas brancas” ou “de baixo” incentivou a exibição discreta dos encantos femininos. Catálogos oferecendo camisolas, anáguas, “corpinhos” que valorizassem as “graças naturais” corriam as cidades. Espartilhos, meias de seda 7/8, ligas avulsas presas às cintas, continuaram sendo usadas por muitas mulheres. Mas, não mais por uma imposição ou falta de opções, e sim por uma questão de estilo ou fetiche, já que esses acessórios se tornaram símbolos de erotismo e sensualidade na sociedade ocidental. A vida conjugal tinha que ganhar poesia, graças a tais preocupações que garantiam a “harmonia do lar”. Nada de mulheres desgrenhadas, arrastando-se de roupão dentro de casa.
O corpo feminino, ao contrário, passa a ser o suporte de um erotismo constante. Nas revistas femininas, multiplicaram-se anúncios de produtos de incentivo ao narcisismo, antes esmagado pelo pudor. A mulher ousava olhar-se no espelho. Ela constatava suas imperfeições e corria para corrigi-las. O “colete Phrynêa” dava “soberana perfeição às linhas”, as pílulas Orientales, “aformoseavam os seios”, o vibrador “Veedee” dava ao corpo uma forma arredondada, sinônimo de “belleza”. O “Mammigene do Dr. Polacek” endurecia peitos caídos. A “Pérola de Barcelona” deixava as mulheres “deliciosas” e o sabão Aristolino amaciava a pele.
Longe do cheiro de bacalhau, cantado pelo poeta colonial, a higiene íntima também entrou na moda: a água oxigenada de Custer servia para lavagens internas e externas e as “doenças uterinas”, saíram do armário para serem tratadas com o milagroso tônico “A saúde da mulher”. A higiene bucal, porta aberta para beijos, mas, ainda de boca fechada, começava com “Odol, dentifrício refrigerante”. Décadas antes e sem Odol, o “beijo na boca” era perseguido pela Igreja por levar à polução. Era pecado mortal!
A percepção sobre o sangue menstrual, outrora considerado poderoso veneno capaz de azedar o leite e solar bolo, também mudou. Começava a cair o tabu da menstruação. Antes “doença”, noticiada sob sussurros, agora tratada com “artigos sanitários”. O ciclo menstrual passou a ser uma ocasião – nem sempre aproveitada – para aprender mais sobre os mistérios da reprodução. Era o momento em que a jovem passava de menina à mulher, despertando maiores cuidados e vigilância por parte das mães. Foi, também, o fim de paninhos avermelhados, lavados às escondidas, no fundo do quintal. As vitrines das boas casas do ramo passaram a exibir os “serviets higiênicos”, “os panos higiênicos de cretone”, as “toalhas higiênicas felpudas e franjadas”, o “protetor em borracha e marquisette”, a “calça sanitária em borracha”, todos, avós de nossos Modess, vendidos no Mappin Stores de São Paulo a $5.
Graças a lingerie, o corpo passou a ser um objeto estético, fonte de desejo e contemplação, não só o santuário de virtudes vitorianas e hipocrisia. O pudor começava a recuar. Inculcado desde a primeira infância e reforçado nas meninas, durante a adolescência, doravante ele iria se articular com as exigências do casamento. Casais se escolhiam cada vez menos para atender aos interesses familiares e cada vez mais por amor. O trunfo do encanto físico e da sedução passava a contar. E o refinamento da sugestão introduzia-se na intimidade de homens e mulheres. – Mary del Priore
A lingerie se torna símbolo de sensualidade.
Parabéns pelo excelente artigo!
História é tudo de bom…