Documentos remanescentes das Visitas da Inquisição, preocupadas com as moralidades de nossos ancestrais, revelam a existência de “palavras de requebros e amores” e a “beijos e abraços”, sugerindo prelúdios eróticos e carícias entre amantes. Atos sexuais incluíam toques e afagos, implicando na erotização das mãos e da boca. “Chupar a língua”, “enfiar a língua na boca”, segundo os mesmos documentos, não era incomum. Os processos revelam que alguns sedutores iam direto ao ponto: “pegar nos peitos” e “apalpar as partes pudentes” era queixa constante de mulheres seduzidas.
Processos de sodomia masculina revelam, por exemplo, amantes que “andavam ombro a ombro”, abraçavam-se, trocavam presentes e penteavam-se os cabelos mutuamente à vista de vizinhos, desafiando a Inquisição, sua grande inimiga. Arroubos não foram incomuns; beijos roubados e furtivas bolinações eram práticas usuais regadas a propostas lascivas e palavras amatórias. Alguns tocamentos podiam ser tímidos, escondendo confessados desejos. Rostos e mãos levemente roçados por dedos ávidos ou mãos apertando outras. Fazer cócegas na palma da mão e pôr a mão sobre o coração para dizer o querer bem era parte da gramática amorosa. Em algumas ocasiões, eram os pés que agiam ligeiros a alisarem outros pés. Alguns afagos eram apenas esboçados, anunciando a vontade de outros mais ousados, enquanto se elogiava a formosura da mulher.
A poesia burlesca e satírica vingava-se da repressão. Nela, os órgãos genitais “falavam”. Em Bocage, o pênis afirmava categórico: “Juro só foder senhoras”. Na poesia, o universo vocabular também contemplava o corpo e o sexo, sem pudor. “Alcatreira” queria dizer bunduda. “Arreitar”, era excitar, dar tesão. “Bimba”, pênis pequeno. “Crica”, vagina. “Cu”, bunda. “Pachocho”, genitália feminina. “Pívia”, masturbação. “Trombicar”, foder. “Vir-se”, gozar. “Sesso”, ânus.
E é o próprio poeta que informa sobre os encontros:
“Tal fogo em mim senti, que de improviso
Sem nada lhe dizer me fui despindo
Te ficar nu em pelo, e o membro feito
[…]
Nise cheia de susto e casto pejo
Junto a mim sentou-se sem resolver-se
Eu mesmo a fui despindo, e fui tirando
Quanto cobria seu airoso corpo
Era feito de neve: os ombros altos
O colo branco, o cu roliço e branco
A barriga espaçosa, o cono estreito
O pentelho mui denso, escuro e liso
Coxas piramidais, pernas roliças
O pé pequeno…oh céus! Como és formosa”
Mas isso era poesia… Pois enquanto literatos davam vazão aos sentimentos eróticos, a catequese se impunha a toda a sociedade colonial. A agenda era uma só: civilizar, educando nos princípios cristãos. No casamento todo o cuidado era pouco. Normas regiam as práticas dos casados. Até para ter relações sexuais, as pessoas não se despiam. As mulheres levantavam as saias ou as camisas e os homens, abaixavam as calças e ceroulas. Mesmo nos processos de sedução e defloramento que guardam nossos arquivos vê-se que os amantes não tiravam a roupa durante o ato. Um exemplo, em Paraty, Rio de Janeiro, no início do século XIX:
“e que ele testemunha presenciara e vira a ofendida e o Réu estarem no mato juntos e unidos um por cima do outro a fazerem movimento com o corpo, e que ele testemunha vendo este ato, voltou sem dar a perceber a ninguém”.
Nem uma palavra sobre despir-se. As práticas amorosas, contudo, eram rigidamente controladas. Toda a atividade sexual extraconjugal e com outro fim que não a procriação era condenada. Manobras contraceptivas ou abortivas não eram admitidas. A noção de debitum conjugal, uma dívida ou dever que os esposos tinham que pagar, quando sexualmente requisitados, torna-se lei. Associava-se o prazer exclusivamente à ejaculação, e por isto era “permitido” aos maridos prolongarem o coito com carícias, recorrendo até a masturbação da parceira, a fim de que ela, “emitisse a semente”, justificando a finalidade do ato sexual.
Ao ser definido como uma conduta racional e regulada em oposição ao comércio dito apaixonado dos amantes, o comércio conjugal só era permitido em tempos e locais oportunos. Consideravam-se impróprios os dias de jejum e festas religiosas, o tempo da menstruação, a quarentena após o parto, os períodos de gravidez e amamentação. Sobre o papel da mulher durante o coito, fazia-se eco aos conselhos de Aristóteles: que nenhuma mulher, mas, nenhuma mesmo, desejasse o lugar de amante de seu marido. Isso queria dizer que a esposa não devia demonstrar nenhum conhecimento sobre sexo. Somente casta e pura, ela seria desejada. Sua ingenuidade seria prova de sua honradez.
– Mary del Priore.
“Retrato de Jovem Mulher”, de Rafael Sanzio.