Bem no início do século XIX, o modelo feminino era então aquele ditado pela jovem princesa austríaca e depois imperatriz Leopoldina, sofrida esposa de D. Pedro I, cuja doçura, inteligência e educação ficaram na história. Suas qualidades foram registradas numa carta de Joaquim dos Santos Marrocos, bibliotecário português, vivendo no Brasil. Ele era sensível em sublinhar o que se considerava na época como critério de feminilidade: a discrição, o desembaraço, a capacidade de comunicar-se, o conhecimento de línguas estrangeiras como o francês e o inglês…e para ser “mais notável” – diz ele – até “ter medo de trovoadas”.
Contra esse pano de fundo encontraremos mulheres de elite urbana, casadas com comerciantes de grosso-trato como Dona Ana Francisca Maciel da Costa, Baronesa de São Salvador de Campos e esposa de Brás Carneiro Leão. Seus salões são descritos por Maria Graham, em sua segunda viagem ao Brasil, em 1823, como decorados com gosto francês, ou seja, papéis de parede, molduras douradas, ornada de móveis de origem inglesa e francesa. A neta da anfitriã, falava bem francês e fazia progressos em inglês. Exemplo raro, pois John Luccock dizia que pouco contato com a maioria das mulheres desnudava sua falta de educação e instrução. Saber ler, só o livro de reza, pais e maridos temiam o mau uso da escrita para comunicar-se com amantes. Debret confirma: até 1815, e malgrado passagem família real, a educação feminina se restringia a recitar preces de cor e calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações.
Ignorância incentivada por pais e maridos receosos da correspondência amorosa. Isso levou às brasileiras a inventar um código para interpretação engenhosa das diferentes flores: cada flor, ordem ou expressão de um pensamento. Graham confirma o mesmo uso entre senhoras de Pernambuco, segundo ela, mais “hábeis no uso de sinais com as mãos e os dedos do que “as mulheres turcas”. Namoros evoluíam segundo este código.
Em 1816, havia apenas dois colégios particulares na Corte; pouco mais tarde, senhoras francesas e portuguesas comprometiam-se a receber em suas casas, a título de pensionistas, moças desejosas de aprender a língua nacional, aritmética, religião, bem como bordados e costuras. Entre as moças de elites: piano, inglês e francês, canto e tudo o que permitisse “brilhar” nas reuniões. Maria Graham, crítica de suas contemporâneas brasileiras, descreve a mulher do ministro da fazenda, Manuel Jacinto, como “one of the most pleesing woman I have seen in Brasil”. Mas uma das damas de D. Maria da Glória, D. Maria Cabral é assim retratada: “era desagradavelmente feia, de pele gordurosa e suada, muito marcada de bexigas, grande boca de lábios finos, nariz chato, olhos pequenos pretos e vivos… Sua inteligência era mais estreita que de qualquer criatura que conheci e sua ignorância proporcional à sua inteligência”. Reproduz, igualmente, o juízo de um inglês sobre a moral das brasileiras: “tanto as casadas quanto às solteiras era a mesma coisa”, ou seja, imorais e ligeiras.
A capital do Império viu as mulheres serem extraídas de suas camarinhas para começar a frequentar salões, serões e partidas noturnas de jogos, simples entretenimentos ou bailes e recepções. Alguns desses concertos animados pelo famoso músico mineiro, padre José Maurício. As danças se aperfeiçoavam com mestres entendidos e alunas exibiam passos e passes, coreografias estudadas.
Outro “must” da mulher da época, além do professor de dança, era o cabeleireiro responsável por penteados ousados e cabeleiras ou perucas. Na Rua do Ouvidor, que segundo o escritor Oliveira Lima “já armava pretensões a elegante”, se instalara o cabeleireiro da corte Monsieur Catilino e abriu loja a costureira da moda Madame Josephine. As crianças também eram levadas aos bailes onde criados antigos e escravos conversavam com convidados conhecidos. Na Bahia, Lindley, horrorizado, viu as mulheres de elite executando “danças de negros”: o lundu e os fandangos. Em 1817, em Recife, Tollenare as viu dançar animadamente na inauguração da Praça do Comércio.
Também na primeira metade do século XIX, no interior de sobrados, donas de casa “de tamancas, sem meias, com um penteador de cassa por vestido” presidiam à fabricação de doces caseiros que mandavam os escravos venderem em tabuleiros pela rua. Distribuíam costura entre as escravas, mas, seus vestidos de festa, eram feitos por costureiras francesas. Bordavam guardanapos que também mandavam vender. Iam ao mercado de escravos comprar “peças” que examinavam como se fossem animais. Na Bahia, Maria Graham impressionou-se mal em vê-las tão “relaxadas”, recebendo convidados “sem casacos ou corpetes… Os cabelos em papelotes”. Mas já se via pequena mudança. Começavam os conselhos para corrigir esse “estar em casa, com compostura”. Vinham do médico baiano José Lino Coutinho que, em cartas, admoestava a filha Cora sobre a importância do asseio e da vestimenta no cotidiano:
“Não se pense que quero que gasteis no toucador todo o tempo precioso à governança da vossa casa, ou que diariamente vos enfeiteis como uma namoradeira […] só desejo que vos apresenteis a vosso marido e à toda gente honestamente penteada, calçada e apertada (leia-se com espartilho), com vestuário cômodo e limpo e que eviteis sempre em sua presença naqueles atos que, supostamente prescritos pelas precisões da natureza, não devem ser testemunhados”.
Modelos femininos da época eram figuras como a linda carioca Domiciana Almeida Vallim, maior proprietária do vale do Paraíba, ou a paulista, Gertrudes Galvão de Moura Oliveira Lacerda Jordão, viúva do Brigadeiro Rodrigues Jordão, rica senhora de várias fazendas moradora numa das melhores casas da cidade. Suas atividades sociais eram marcadas por visitas de amigas e diversão: bandas de música formadas por escravos, especializadas na execução de óperas, saraus musicais em torno de modinhas brasileiras. Foi também o tempo das reuniões para atividades de benemerência, participação nas irmandades e auxílio aos pobres.
As senhoras casadas traziam a severidade como marca de distinção: poucos adereços, o vestido escuro ou negro, geralmente com detalhes discretos de miçangas, renda ou pregas. E joias simples, tipo broche ou brincos pequenos. Cabelos em coques presos para trás e tranças presas em laçarotes era uma opção possível. Nos quadros a óleo que restaram desses tempos, as feições não trazem marcas de cosméticos. Ainda se sentavam no chão, à turca. Ainda eram transportadas por negros em cadeirinhas pintadas e douradas e redes ornamentadas. Ainda dedicavam meia hora às orações nos finais de tarde.
- Texto de Mary del Priore. “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)”, Editora LeYa, 2016.
D. Leopoldina, por Luís Schlappriz.