Apesar da forte influência inglesa na economia, que aumentava cada vez mais – a ponto de Eric J. Hobsbawn se referir a Portugal como colônia não oficial do Império Britânico no século XIX – a França era o modelo em termos de moda, cultura e vida cortesã no Antigo Regime. Depois de terminada a Unificação Ibérica, em 1640, (que foi vista como uma humilhante dominação pelos portugueses) criou-se uma atmosfera de rejeição aos hábitos da Espanha e assim a França passou a ser a grande inspiradora.
D. João V sonhava em passar para a História como o Rei-Sol lusitano. O monarca e os nobres copiavam as roupas e acessórios franceses, com grande ostentação. Vários viajantes relataram os excessos da elite lusitana. Lisboa, porém, não estava nem perto de se tornar Paris. Nem todos as sedas, rendas, joias e perucas conseguiam disfarçar a precária situação financeira de Portugal. O ouro e os diamantes vindos do Brasil alimentavam as manias da nobreza empobrecida.
As atividades sociais e culturais em Lisboa eram poucas. O rei e a rainha não transformavam o cotidiano em um espetáculo, como era comum em Versailhes. As trocas de roupas não eram um ato público, o casal real fazia as refeições sozinho, o rei caçava com poucos acompanhantes. A rainha, chamada de carola à boca pequena, só saía para ir às missas. As construções também seguiam o estilo da corte. O Paço Real, o Rossio, os palacetes dos nobres mais importantes, todos com o mesmo ar pesado e sem imaginação. (Lilia Schwarcz discute detalhadamente o tema em “A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis”). O Convento de Mafra, menina dos olhos de D. João, era considerado feio e faraônico (ver o belíssimo “Memorial do Convento” de José Saramago).
Não havia praticamente vida social. Com exceção de alguns espetáculos teatrais e os eventos religiosos (missas, procissões e autos-de-fé), os nobres não tinham muito o que fazer. As artes, como pintura, escultura, música, teatro, ópera e até literatura (terreno onde sempre floresceram grandes nomes lusitanos), enfrentavam uma fase de marasmo. Somente a religião vivia um furor cada vez maior. Diziam as más línguas que D. João V era tão católico que buscava as amantes entre as freirinhas dos conventos…A religiosidade exacerbada, nos moldes da Idade Média, era uma das peculiaridades da sociedade portuguesa. A Europa via os portugueses como supersticiosos e ignorantes.
O que aconteceu com as glórias e as conquistas lusitanas? Como explicar a penúria que convivia com abundância de ouro, diamantes, açúcar e escravos do Brasil? Além de apegado à Igreja, que é uma instituição essencialmente conservadora, Portugal sempre se manteve isolado em relação às novidades e ideias que transformaram o mundo. A Reforma Protestante, o Iluminismo, os ideais das revoluções Francesa e Industrial, os conflitos dos Estados Unidos, pareciam chegar sempre atrasados ou nem mesmo interessar os lusitanos (salvo a pequenos grupos da elite) que insistiam em olhar para o passado das grandes navegações. Na economia, Portugal se contentava em esbanjar o ouro brasileiro em projetos grandiosos e inúteis, explorando a colônia como um parasita se alimenta de seu hospedeiro. Sem investimentos em infraestrutura, sem se preocupar em fortalecer as manufaturas e as indústrias incipientes, a economia portuguesa afundava em meio a riquezas. Nem os esforços de D. João V, nem a mão de ferro do Marquês de Pombal conseguiram reverter a situação.
A vida na corte no Antigo Regime era um jogo complexo de aparências. Portugal tentava seguir este modelo mesmo com uma corte pobre e pequena. E continuou insistindo nestes hábitos cortesãos mesmo quando já estavam obsoletos. Sabemos que no Brasil as coisas foram muito semelhantes: uma elite sem título que vivia de aparências, investindo o que podia e o que não podia em tecidos, joias, roupas, sapatos, escravos, carruagens e liteiras.
A herança portuguesa é paradoxal e cheia de interrogações, sem deixar de ser também bela e rica.Conhecendo-a podemos refletir bastante sobre a realidade brasileira e sobre alguns hábitos de tempos passados que permanecem até hoje entre nós.-
Márcia Pinna Raspanti
Paço de Lisboa, retratado em pintura a óleo do século XVII.
Pelo que pude observar no texto, o marasmo na Corte estava muito mais ligado à falta de cultura e de lazer, além do desinteresse e da futilidade, do que de riquezas. Claro, isso refletiu muito na formação brasileira – infelizmente. A História mostra que, com exceção das embarcações, os portugueses não sabiam – ou não queriam – fazer mais nada.