“Foi-se a melhor parte da minha vida”, carta de Machado de Assis.

Em 1868, Machado casou com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã de seu amigo e poeta Faustino Xavier de Novais. A morte da mulher, em 20 de outubro de 1904, depois de 35 anos de convivência, lhe inspirou o antológico soneto “A Carolina”. Machado ainda exprimiu a dor da perda nesta carta a Nabuco.

Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904

Meu caro Nabuco,

Tão longe, em outro meio, chegou-lhe a notícia da minha grande desgraça, e você expressou logo a sua simpatia por um telegrama. A única palavra com que lhe agradeci[1] é a mesma que ora lhe mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfado­nha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me esperará.

Ver mais  Tempo de amar ou tempo de unir?

Não posso, meu caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha mulher, e você compreende que apenas posso falar deste fundo golpe.

Até outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta, que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios. Aceite este abraço do triste amigo velho.

Machado de Assis

Correspondência Machado de Assis & Joaquim Nabuco. Organização de Graça Aranha. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras/Topbooks, 2003, pp. 126-127.

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SOBRE O CORREIO IMS:

O Instituto Moreira Salles disponibiliza correspondência de autores ligados à História do Brasil. De acordo com Elvia Bezerra, coordenadora de Literatura do IMS:

“Por serem íntimas, costumam surpreender quando vêm a público, e, por exibir traços insuspeitados de seus autores, não podem ser sonegadas à história de um país. Sem divulgá-las, como saberíamos facilmente que o sóbrio jurista Rui Barbosa escreveu cartas tão apaixonadas à sua querida Maria Augusta? Que não bastou a Lucio Costa o talento de arquiteto, e ele também brilhou em extraordinárias descrições epistolares de cidades europeias? Que o pai de Nelson Freire, farmacêutico, se preocupou em registrar para a posteridade o momento em que mudou a vida da família para acompanhar o filho, ainda menino e já pianista? Que Tom Jobim tremeu nas bases diante da vaia de Sabiá e precisou do ombro de Chico Buarque? Que d. Amélia de Leuchtenberg, madrasta de d. Pedro II, foi capaz de expressar genuíno sentimento materno? Que amizade, para Otto Lara Resende, era assunto seriíssimo, tão sério que, com frequência, se converteu em tema de carta, reflexões e até mesmo de ciúmes?

Ver mais  COMPLEXO DE VIRA-LATAS, por Nelson Rodrigues.

Guardião de milhares de cartas em seu acervo de Literatura, o Instituto Moreira Salles não podia se furtar a percorrer a história cultural do país por meio das correspondências, pinçadas não só de seu acervo como de outros, disponibilizadas neste Correio IMS”.

Acesse o link para conhecer mais sobre o Correio IMS:

http://www.correioims.com.br/perfil/joaquim-nabuco/

FONTE: INSTITUTO MOREIRA SALLES.

2 Comentários

  1. Liliane de Paula Martins
  2. José Luís de Castilho Moraes

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