Festas e funções: o lazer dentro de casa

Além de pequenas formas de lazer introduzidas no ritmo da vida privada ou nos pequenos gestos repetitivos do cotidiano, havia momentos associados a festividades que ocorriam em casa. Eram as comemorações familiares em torno de batizados, noivados, casamentos e aniversários que, até fins do século XIX, chamavam-se funções.  Em Memórias de um Sargento de Milícias, evocando uma festa de batizado, realizado na cidade do Rio de Janeiro, Manuel Antônio de Almeida assinala: “Já se sabe que houve nesse dia função…”. A palavra baile era, então, desconhecida.

Durante as mesmas festas caseiras, os convidados ficavam nas tulhas, ou seja, nos celeiros suspensos. Acendiam-se grandes fogueiras, trovas ao som da viola eram improvisadas em desafio, realizavam-se banquetes e pagodes sob um barracão protetor de panos ou em salões ornamentados onde as sinhás rodopiavam ao som da clássica quadrilha francesa, da valsa, da mazurca, do xote. Nessas ocasiões, cantar versos de autoria de poeta conhecido na região, era obrigatório.

Além das funções, outra festa era regularmente celebrada em áreas rurais, nas cercanias do Rio de Janeiro, onde se plantava muita cana: a da Botada. O título designava o ato de botar o engenho a moer, nas fazendas de cana de açúcar, precedido de benção do capelão e seguido de jantar dados pelo senhor de engenho aos seus lavradores, escravos, vizinhos e amigos. Em muitas fazendas, era a dona da casa com suas mucamas enfeitadas quem trazia os primeiros feixes de cana, envoltos em fitas coloridas, para serem bentos e passados na moenda.

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A casa de vivenda, a do engenho, os paióis, as senzalas extensas eram caiadas e limpas. A escravatura recebia timões de baeta azul e roupa de algodão para o gasto do ano. E de oito a quinze dias antes da moagem procedia-se ao corte das canas que chegavam em carros de bois e ficavam sob alpendres ou em depósitos especiais. De véspera, a casa do engenho e mais construções se enfeitavam No terreiro, as bandeiras flutuavam nas extremidades de bambus verdes. Matava-se um boi para o banquete dos senhores e carneiros e galinhas para a refeição dos escravos. Os compadres e amigos que tinham vindo de longe com suas famílias chegavam um dia antes. Foreiros ajudavam escravos nos preparativos da música e dos fogos.

No dia da Botada, visitantes acorriam sobre carros de bois, toldos de esteiras ou de chitão lavrado. Muitos vinham a pé, descalços, trazendo os sapatos ao ombro. E o engenho moía com prazer. Neste dia, com exceção da gente envolvida com a festa, ninguém mais trabalhava. Os escravos batucavam depois do jantar, os foreiros cantavam e dançavam; os senhores presenteavam as crioulas e mulatas de estimação com cortes de chita ou de cassa, fios de corais e brincos de ouro. Em outras ocasiões festivas, o ritmo era dado pela roda de figuras dançando e batendo palmas ao toque de tambores e ganzás. As letras cantadas faziam referência ao corte da cana, a moagem e o preparo do açúcar. Era o coco. Fora das festas, escravas se divertiam com a dança do jongo, ao som de tambores e canto de pontos.

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Quando as mulheres livres se reuniam para festas de colheita ou outras, passeios sobre bestas luzidas de passo trotado eram apreciadíssimos. Eles tanto se podiam realizar dentro da própria fazenda quanto nos arredores, em fazendas de vizinhos. Selas femininas, com seus arreios apropriados, assim como roupas de montar, atestam que, algumas senhoras de engenho eram também, exímias amazonas. Luísa Borges de Barros, futura Condessa de Barral, que começara cavalgando no cabeçote da sela do pai, seria, mais para frente, uma delas.

No início do século XIX, entrou em cena um modismo europeu: o do jogo de prendas, alegria dos salões burgueses e fidalgos. Chamado na França de “jeux de gages”, sob Luís XIV, era passatempo de gente moça e de salões sem música, segundo Câmara Cascudo. Recebemos a nossa influência de Portugal, onde vicejou durante o reinado de D. João V. Totalmente inocente, inquieto e inventivo, o jogo de prendas tinha imaginação inesgotável no que dizia respeito às penitências e recursos impostos aos jogadores. Dividia-se em duas partes: a colheita das prendas, multas por engano e omissões ocorridas durante a brincadeira. E o cumprimento da pena. Servia para gente de todas as idades. – Mary del Priore

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Rugendas, “Costumes de São Paulo”.

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