Em 1990, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE apontavam que, em média, homens divorciados teriam quatro vezes mais chances de se casar novamente que mulheres em igual condição. O fenômeno foi chamado por demógrafos de “poligamia sequencial”. Ao longo da vida, eles teriam várias esposas, cada vez mais jovens. No primeiro casamento, a diferença de idade era de quatro anos, em média, chegando a quase oito, nas uniões seguintes. Em 1990, por exemplo, mais homens de mais de 50 anos se casaram com moças de menos de 25 anos. No mesmo ano, poucas mulheres da mesma faixa etária reproduziram a equação com rapazes de menos de 25. Alimentado e bem servido, o marido costumava ir embora, depois de fazer um bom progresso na carreira. Por coincidência, quase sempre nesse momento, ele concluía que o casamento se tornara monótono e passava a interessar-se por mulheres mais jovens.
Segundo os advogados de família, uma separação ocorria sempre que aparecia a tal “amante” na história. Entre os motivos que levavam à separação de um casal, a traição despontava em primeiro lugar nas estatísticas dos escritórios de advocacia.Em 99% das vezes, a traição era do homem, e quase sempre com mulheres mais jovens. Tal índice aparentemente conflitava com os registros civis, em que a esposa toma a iniciativa da separação em 73% dos casos. “É muito raro a mulher querer separar-se. Em geral, ela só o faz quando já foi muito humilhada pelas escapadas do marido e nos casos em que a separação oficial se torna a única garantia de um apoio financeiro aos filhos”, disse à revista Veja uma advogada. “Por que homens e mulheres traem”, perguntavam-se os sociólogos? A infidelidade seria apenas uma questão estatística? Ainda não encontraram respostas.
Divorciado, “o homem não esquenta lugar no mundo dos solitários”, afirmou a demógrafa Elza Berquó, pesquisadora do CEBRAP, em entrevista à mesma Veja, em 2000. Tão delicado quanto a separação, era o ritual que levava a mãe a apresentar o novo namorado aos filhos. O cuidado se explicava pelo temor de que o novo marido obrigasse a mulher a diminuir a atenção prestada às crianças, que já não podiam contar com a presença do pai. Sobrevivia ainda, o temor de que uma segunda união não desse certo. E que, vencidas as barreiras iniciais, os filhos tivessem de passar por uma segunda perda afetiva. Mesmo em se tratando de amores de curto prazo, um abismo separava a condição dos ex-casados. Não se condenava – em alguns casos, até se estimulava – o ex-marido que competisse nas festas para levar uma medalha de dom Juan. Já a ex-mulher que fizesse fama como caçadora, ficava mal falada na vizinhança.
Para piorar, o padrão de vida do casal caía. Uma pesquisa da Fipe/USP informou que, ao marido deixar o lar, todos se tornavam 25% mais pobres. Caso ele tivesse outra mulher para sustentar, a queda chegava a 35%. Com outros filhos, o arrocho chegava a 50%. Quem vai corria atrás do prejuízo? A ex-mulher. Se não trabalhava, tinha que procurar emprego. Se o fazia em meio período, teria de cumprir jornada inteira. Ainda que pagasse uma pensão de 50% sobre seus vencimentos à esposa, o que era raro, o marido saia menos prejudicado na separação.
Nas classes desfavorecidas também se vivia a mesma acelerada mudança dos que agitava o andar de cima. Mas não foram os costumes liberais que colocaram, por exemplo, o Nordeste como a primeira região do país em número de mulheres chefes de família. E, sim, a pobreza a empurrar maridos para longe, em grandes fluxos migratórios, deixando mulheres e filhos para trás. Vingava o chamado “matriarcado da pobreza”.
A vantagem masculina para reconstituir a vida não resultava de uma aptidão biológica para o casamento, mas, sim, de uma questão de números. Não bastasse haver um superávit de 1, 2 milhões de mulheres em relação ao total de homens – a maior parte delas em idade casadoira -, eles ainda podiam escolher entre as mais jovens, de pele esticada, barriga lisa e perna dura.
Nada para elas e tudo para eles? Homens sem problemas? Não. Ao final dos anos 90, eles tinham sido “nocauteados”: insatisfação, baixa autoestima, falta de amor próprio eram resultado das mudanças ocorridas, na última década. Em 1996, o medo do fracasso levava três homens para cada mulher aos consultórios de psicoterapia da área sexual, segundo estimativa do Instituto Kaplan de São Paulo. Com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, nas universidades e adotando novos comportamentos sexuais, os homens sentiam-se mais pressionados. Afinal, as conquistas femininas estavam ocorrendo na prática. Era hora de lidar com as e reconsiderar o papel de “sexo forte”.
O sentimento de fracasso e inadequação, mais as pressões da vida moderna, podiam explicar, por exemplo, a diminuição da produção de espermatozoides verificada nos homens por médicos e cientistas em todo mundo. E, alarme! De acordo com uma pesquisa feita pela Clínica Pro-Pater Promoção da Paternidade, de São Paulo, dos 52.000 homens que a procuraram durante nove anos, 28% disseram considerar-se pessoas desinteressantes e 52% admitiram ser maus amantes, revelando uma baixa estima muito grande. O fantasma estava em toda a parte.
Os defeitos ou falhas na excitação espontânea continuavam a levar um número significativo de homens a recorrer à prostituição e a pornografia. Sua busca em fontes poderosas de estímulo por meio de práticas marginais e clandestinas, ou pelo encontro de parceiras cada vez mais jovens, foi uma forma de reação à perda da virilidade cuidadosamente construída entre os anos 50 e 60, quando a mulher ainda não sabia gozar.
O sentimento de inadequação levou, também, os homens a recorrer às cirurgias estéticas, às academias de ginástica e a tratamentos de beleza, não só para aumentar a autoestima e atrair as mulheres, mas também para fins profissionais. Tudo isso para se recuperar do nocaute imposto pelas transformações das últimas décadas e do feminismo. Para melhorar o quadro geral, o Viagra, milagrosa pílula azul, aterrissou aqui com grande estardalhaço. Punha-se um fim às dolorosas injeções, bombas a vácuo, centros de macumba e simpatias curativas usadas para afastar o medo de falhar. Se até então a vergonha cobria o assunto, o tema passou a invadir a mídia e congressos de Medicina.
Texto de Mary del Priore.
A famosa “pílula azul”.
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