O imperador fazia amor de matrimônio com a esposa e amor de devoção com Domitila (que depois se tornaria marquesa de Santos) – como ele mesmo dizia. O comportamento na cama com uma e outra, era diferente: “Vou ser seu mico”, troçava com a favorita. Apressado e cheio de desejo, queria “ir ao cofre”. Nos bilhetes, as palavras parecem modeladas com a graça do pecado, guardando dele o gosto.
Do ponto de vista da Igreja, a relação que vivia com a esposa nunca seria um deleite, mas um mal menor. Sua tarefa básica: procriar. Para Leopoldina e muitas mulheres, a essência do indivíduo residia na alma. Por isso mesmo, ninguém se casava para o seu prazer. E, sim, para sua família. O marido não existia para fazer amor, mas para mandar. Nada sobrava para a esposa senão baixar a cabeça, conformar-se e fazer amor de matrimônio. E ai das estéreis! Fora disso, restava a educação sentimental feita através da ligação amorosa, o amor de devoção. Ligação precária e que se podia anular a qualquer momento. De preferência, sem encargos. Não oficial ou sancionada. Mas nessa esfera estreita é que as emoções, sentimentos e sensações se manifestavam. Sufocado dentro do sacramento, o erotismo era vivido somente – ou de preferência – fora do lar, na relação extraconjugal.
“Mande-me dizer como passou”, escrevia D. Pedro, para completar logo depois, “antes de irmos para o banho.” A piscina ou banheira, sem dúvida, veio das leituras que o casal de enamorados fez sobre a vida das favoritas de Luís XIV. Madame de Montespan tinha a sua, verdadeiro templo de Vênus, onde esgotava as forças do Rei-Sol com brincadeiras de antes da queda e expulsão do paraíso. E Domitila usaria os pelos púbicos em cachos ou se depilaria como faziam as cortesãs francesas? Executaria, como Madame Du Barry, “o batismo de âmbar”, ao perfumar o sexo? A casa pegada à do imperador fazia lembrar o castelo de Madame de Montespan, colada ao parque de Versalhes.
O resultado das visitas, contudo, era garantido: “Forte gosto foi o de ontem à noite que tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!!!”. Ou: “É incalculável a disposição física com que estou hoje para lhe ir aos cofres.” “Virei na segunda-feira repousar nos seus braços amorosos e sentir aqueles prazeres que nos são iguais.” Eram os “amores da cintura para baixo”, como ele gostava de dizer. Amores em que abraços inauguravam mistérios, lábios se tornavam cúmplices e corpos exalavam fluidos. E D. Pedro terminava: “Com votos de amor do coração deste seu amante constante e verdadeiro que se derrete de gosto quando… com mecê.” Ou mandava um beijo para a sua “coisa”. A linguagem era direta: ele queria gozar. Incansável, devorava o fruto da árvore do paraíso. Despia Titília nos bilhetes. Transformava o desejo em excitação, em linguagem e rabiscos eróticos. E assinava-se “seu fogo foguinho”, quando não acrescia o desenho do real pênis ejaculando em louvor da amante. Tudo cheirando, como disse um biógrafo, a lençóis molhados e em desalinho.
E depois, mortificado de ciúmes e suspeitas, perguntava: “Será possível que estimes mais a alguém do que a mim?” As manifestações de carinho se multiplicavam: “Eu sempre estou pronto a fazer o que mecê quiser, e, portanto, decida e ordene-me o que quiser”, curvava-se D. Pedro. Enviava a Titília morangos fresquinhos da chácara do conde de Gestas, “laranjas das melhores”, ou mudas de hortênsias para enfeitar o jardim. “Estou aqui para servir no que estiver a meu alcance…”, dizia. Presenteava a favorita: “Remeto as pulseiras e estimarei que estejam a seu gosto.”
Domitila aproveitava todas as vantagens que sua posição oferecia. Entre todos os prazeres que usufruía, os da carne – ou o “comércio”, como se dizia na época – tinham um bom lugar. Sua atitude em relação ao assunto era bem diferente do esperado das mulheres de então. Os pregadores da Igreja condenavam os atos amorosos fora da procriação ou muito frequentes. Beijo, ou “chupar a língua”, era considerado pecado. Os chamados “toques desonestos” nas partes pudendas, ou a masturbação mútua, também. As posições no coito eram controladas. Proibidas: a mulher sobre o homem ou ela de quatro. A primeira por inverter a ordem natural das coisas. E a segunda porque animalizava um ato considerado sagrado. A maioria das esposas preferia ter um quarto separado ou simplesmente pagar seu “débito conjugal” quando este lhe era exigido, sem demonstrar o menor prazer. A modéstia e o costume impediam-nas de tocar no assunto. Sexo era um fardo, como bem demonstrava Leopoldina. Mas as proezas sexuais de D. Pedro e Domitila mantinham o imperador preso à vizinha. A celebração dos ritos amorosos o ocupava loucamente.
- “A Carne e o Sangue”, de Mary del Priore. Editora Rocco, 2012.
AA alegoria do juramento da Constituição de 1824 por D. Pedro I
Autor: Gianni (1824). Coleção Fundação Biblioteca Nacional.
Parabéns por postar artigo/resenha com a fonte. Está pratica e rara neste história e historiografia.