Nos anos 50, enquanto muitas mulheres se esfalfavam para manter os maridos felizes, eles não se privavam das tradicionais liberdades: “casos” ou “cachos” com os quais se encontravam em hotéis da capital como o Serrador, bares e clubes, os cafés frequentados por putas como o Cu da mãe, os puteiros famosos como o Bucetinha de Prata, na rua Alice, os demais na Correa Dutra e Conde Lage, a meio caminho entre o Centro e a Zona Sul, – tudo na capital – a paixão pelas “certinhas” do Stanislau Ponte Preta, mulheres curvilíneas com biquínis minúsculos, as vedetes do Teatro Rebolado cujas peças sugeriam um mundo diverso daquele proposto pelo Jornal das Moças: “Tem bububu no bobobó”, “Vem de ré que eu tô em primeira”, as “jambetes” desenhadas por Lan, o manuseio de notas conhecidas como “brasileira” – a efígie da República era a amante de um senador – ou “voando para o Mangue”, 5$000 réis, valor de um “programa” no bairro do mesmo nome – cuja efígie era Santos Dumont.
Gilberto Amado tinha sobre tais hábitos olhar afiado:
“Nosso sistema familial não é, em substância, o sistema monogâmico. Monogamia não existe em nossa organização social. Por isso não há divórcio no Brasil. Por isso a maioria dos homens influentes não concebe sequer a ideia de admitir a dissolução completa do vínculo conjugal. E pode-se notar a propósito como a Igreja é iludida entre nós quando combate, por ortodoxia, a instituição do divórcio. Divórcio é para a Igreja, poligamia. Não é, porém – e isto me espanta – o que a Igreja testemunha entre nós, o que todos vemos e que os padres não podem deixar de ver. Na realidade, a única diferença entre as antigas sociedades orientais muçulmanas e a nossa – é que o serralho, o harém, não está na casa do sultão, no mesmo edifício, como nos países árabes. As mulheres, odaliscas ou escravas brancas, não se acham reunidas no mesmo compartimento na residência do marido. Espalham-se por várias casas – rendez-vous, bordéis, pensões, garçonniéres. O marido brasileiro quando volta a casa, de tarde, do escritório, do armazém, do consultório, do clube… já passou na casa da “amiga” (se é rico e a tem teúda e manteúda) ou pelas casas de mulheres e pensões, espalhadas em várias ruas da cidade. Divórcio para quê? As odaliscas estão distribuídas em diversos serralhos ao alcance das bolsas, sem complicações e responsabilidades”.
Já as esposas infiéis não deveriam esperar nenhuma compreensão, nenhum gesto de ajuda, nenhuma indulgência. Elas eram fortemente criticadas, quando não punidas. O crime passional enchia as páginas de jornal, sobretudo quando se tratava de “gente bem”, sem contar que a infidelidade feminina estava associada à instintos maternos de péssima qualidade. Adúlteras eram mães ineptas para criar seus filhos: “que atitude deve tomar um marido que se sabe enganado? Permanecer ao lado de quem o atraiçoa seria indigno de sua parte […] mesmo porque não se pode exigir de um marido que viva com uma mulher que lhe é infiel. Não pode haver harmonia num clima de indignidade. Num caso desses, o pai tem que fazer da fraqueza das crianças a sua armadura de coragem para enfrentar sozinho as responsabilidades que deveriam ser enfrentadas a dois”.
A afinidade sexual parece ter sido um fator menos importante no ideal de felicidade conjugal. A esposa era antes de tudo o complemento do marido no cotidiano doméstico. O bom desempenho erótico de uma mulher casada estava longe de contar. As revistas silenciavam sobre o assunto, uma delas apenas – Querida – assinalando que a independência financeira e o maior acesso às informações favoreceriam o interesse feminino pela “satisfação física”. Nas páginas de O Cruzeiro, por exemplo, se faziam breves alusões ao “ajustamento sexual da união feliz”, seguida de considerações do tipo: “é tolice pensar que a satisfação sexual solucionará todos os problemas da vida do casal, pois que na verdade, a harmonia sexual é que depende de outras condições”. À certa mineira queixosa, a conselheira sentimental lembrava que “não adianta ser apenas boa dona de casa e mãe devotada”, deixando de “cumprir com os deveres conjugais”.
Com ou sem a eterna desculpa, a dor de cabeça, esposas tinham que pagar seu débito conjugal. Humberto de Campos registrou:
“Uma senhora muito amiga contava-me há dois dias que uma sua amiga, tida como esposa de um membro da Academia Brasileira de Letras, vive com este em frequentes desinteligências. Quando sucede ficarem brigados por alguns dias, o acadêmico, sentindo saudades do corpo da companheira, e não querendo falar com ela, prega no espelho da cama um papel com este aviso: “Hoje tem sessão”. A mulher assim prevenida, vai esperá-lo à noite na cama de casal, de onde se retira duas horas depois, sem ter trocado palavra”.
Caso contrário, eles iriam buscar o prazer na rua e as esposas que engolissem o sapo. O instantâneo é de Humberto de Campos, sobre um governador pernambucano:
“Imagina, menino, que a senhora do E, dois dias depois de os dois terem chegado ao Recife foi procurá-lo no seu gabinete. À porta, o contínuo deteve-lhe os passos: “madame, me desculpe, mas não pode entrar”- disse – “Eu?”, estranhou a senhora, espantada. E com arrogância: “ – A mulher do governador do Estado pode entrar a qualquer hora no seu gabinete. Abra essa porta!”. Apavorado, o contínuo abandonou a porta e desapareceu. A senhora abriu a porta e atravessou a sala deserta. Adiante, havia uma porta encostada. Empurrou-a e, abrindo-a sem rumor, quedou imóvel. O E., de joelhos no tapete, de costas para a porta, os olhos fechados, rugindo e uivando, tinha diante de si uma mocinha, a qual, sentada na cadeira de rodízio, dessas de mola, se atirava para trás, cabeça e braços abandonados, no maior prazer do mundo!”.
A única possibilidade de separação dos casais nos anos 50, não dissolvia os vínculos conjugais nem admitia novos casamentos. Em 1942, foi introduzido no Código Civil o artigo 315, que estabeleceu a separação sem dissolução de vínculo, ou seja, o desquite. Desquitados de ambos os sexos eram vistos como má companhia, mas as mulheres sofriam mais com a situação. As “bem casadas” evitavam qualquer contato com elas. Sua conduta ficava sob a mira do juiz e qualquer passo em falso lhes fazia perder a guarda dos filhos. As posições anti-divorcistas, como já vimos, eram maioria. Uma “segunda chance” tinha pouca chance de se efetivar. Mesmo assim, a proporção de separações cresceu nos censos demográficos entre as décadas de Quarenta e Sessenta. Na burguesia, também se tornou mais comum que cônjuges separados, seguissem tocando a vida, reconstituindo seus lares através de contratos formais ou uniões no exterior.
Certo ceticismo começava a revestir o sacramento:
“- Ainda não te casaste?
– Casar-me? Para que?
– Mas se hoje quase nada se faz em casa, quase ninguém se demora em casa. Pai, mãe, filhos, todos seguem para a repartição e às vezes, passam semanas sem se ver direito, mal se conhecendo, como se estivessem separados pelo oceano”, criticava Agripino Grieco.
- “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.

Casamento na roça, s/d, de Cândido Portinari (Brasil, 1903-1962)