Além do sabonete, havia outras formas de se estar limpo e perfumado. E isso, graças às receitas caseiras de banho de cheiro, muito usadas no Norte e Nordeste. Leandro Tocantins explica que era indústria tipicamente caseira, de preparos diferentes, cada qual oferecendo odores peculiares. As fórmulas, guardadas como segredos de família, usavam como base a priprioca, pétalas de rosa, macaca-poranga, jasmim, pau d´angola e tantas outras ervas, raízes, raspas, abundantes nos mercados populares. Quando secas, acondicionavam-se tais ervas em pequeno envelope de papel de seda, distribuídos nas gavetas e guarda-roupas. “Os próprios homens bem que estimam sentir o aroma em suas camisas” concluía Tocantins, que registrou:
“O banho de cheiro é o resumo de todos os anseios de felicidade. Quase ninguém deixa de fazer escorrer pelo corpo a água de perfumes bons, preparada em casa ou adquirida nos mercados ou em casa do ramo”. E ensinava o preparo: “Juntar trevo-cumaru, japana branca, paraqueira, mão-de-onça, catinga-de-mulata, chama, bergamota, Mangerona, pluma, vindicá, orisa, cipó-catinga, casca-de-cedro, boiaçu, canela, numa bacia com água. Levá-la ao sol diariamente durante cinco dias. Nunca ao fogo. Coa-se a infusão em pano bem fino e se engarrafa. Deve ser usado nas vésperas de Santo Antonio, São João e São Pedro. Somente depois de lavar o corpo com água pura”. A cachaça cheirosa ou garrafada é de uso permanente. Fecha o corpo, a mulheres aplicam no corpo em vez de águas de Colônia ou então se derrama na tina de água para banho de cuia. Antigamente, eram vendidos nas ruas “Cheiro, cheiroso! É do bom e do melhor…”.
Thiago de Mello, por sua vez, não esqueceu o perfume de Dona Adelaide, a bela negra parteira de Manaus: “Ela entrava lá em casa e a rua ficava rescendendo a piprioca, patichuli, pau d´Angola, catinga de mulata, pó de baunilha, japana, folha de cuia-mansa e vindicá”.
O uso do banho com sabonete foi acompanhado do desodorante, inventado pelos americanos para combater o odor de suor. Composto no início por uma mistura de nitrato de potássio e alumínio e depois da Guerra, de bicarbonato de sódio que neutralizava os ácidos, os desodorantes prometiam “sensação de asseio”. Médicos renomados como Miguel Couto, Aloysio de Castro e Werneck Machado eram citados como garantia para quem usasse o Magic, um desses novos desodorantes que como o O-DO-RO-NO prometiam não apenas perfumar, mas desodorizar. E já garantiam proteção por 24 horas. Segundo Bueno, desde os anos 20, as campanhas publicitárias seguiram os moldes usados nos “reclames” de sabonete: quem cheirasse mal não teria chances de arrumar companhia. Quanto a um cônjuge? Nem pensar. E o C.C podia se esconder nos pés, junto com sapatos fechados. Aí era o caso de usar uma série de pós anticépticos.
Antes, porém, da invasão dos desodorantes, o C.C era chamado simplesmente de catinga. Na boca do povo ela podia ser identificada como catinga lavada, catinga fresca, catinga salgada, catinga abafada, catinga ardida, catinga rançosa, de bode ou ainda fartum, bodum, inhaca, cheiro de virilha de ovelha ou outras denominações. As roupas de baixo embabadadas, difíceis de lavar e trabalhosas no engomar não favoreciam o asseio das senhoras que eram possuidoras do “dom de Tereza, o cheiro da natureza” – conta Hildegardes Vianna. Tinha gente que já saia fedendo de dentro do banho.
Recorriam então aos suadores, semicírculos de fazenda absorvente que tentavam isolar as axilas da roupa. Limão com a cinza quente do fogão era o grande recurso ou lama do fundo do pote de água, considerada tiro e queda contra a catinga. Expediente infalível era a cebola podre esfregada nas axilas e ali deixada. Ou a simpatia da poeira do assoalho depois de varrido, que passava a ser ótima para secar transpiração. O uso do lenço virgem passado nas axilas também era experimentado, mas infalível, era limpar o suor com um lenço de defunto fresco e guardá-lo sorrateiramente no bolso da roupa. Água com pedra-ume e álcool canforado era usada por gente mais prática.
E o que dizer de “bocas arruinadas”, “gengivas abandonadas” e as imagens da mocinha de nariz torcido, que convidava o noivo a passar no dentista?! Era o mau hálito. Os avisos de dores de dente não eram suficientes para muitos cuidarem dos seus. Antes da chegada do sorriso bonito e perfumado, existia o perigo do “mingau das almas”: saliva gomosa que muitos sentiam pela manhã. Para eliminá-lo, líquidos para bochechos eram conhecidos há muito tempo, assim como a esfregação dos dentes com o dedo esticado entre um bochecho e outro. No Nordeste, usou-se muito a folha de juá que produzia uma espuma farta e refrescante. Tinha também o “pauzinho ou areador”: vassourinha improvisada que visitava a dentadura num movimento rápido de vai-e-vem. Molhado no pão queimado, o pauzinho garantia dentes alvíssimos.
Mas a higiene bucal só teve início nas primeiras décadas do século XX, graças à dupla escova & pasta de dente. Antes, um creme que misturava sal, pimenta e flores odoríficas, quando finalmente industrializada pelos americanos, a pasta dentifrícia teve por base componentes alcalinos e flúor. A cor branca remetia ao asseio e prometia dentes igualmente alvos. Feitas em plástico, a partir de 1953, as escovas se tornaram um item obrigatório.
Os cabelos também mereceram cuidados. Passou-se a utilizar “xampu”, palavra de origem indiana, bem como o produto que tinha por finalidade, desde a Antiguidade, diminuir a presença de graxos produzidos pelo couro cabeludo. A fim de “estar bem penteado”, usava-se toda a sorte de fixadores e cremes de cabelo como Glostora, Byocreme e Gumex, imagem corriqueira assim registrada por Thiago de Mello:
“Cheiro inconfundível era o do perfume enjoado que saía do cabelo das caboclas, que abusavam para que a cabeleira ficasse reluzente da brilhantina, da Royal Briar, que era a marca popular da moda, vendida em latinhas de dois tamanhos. Nos arraiais da Praça 14, nas quermesses da Praça São Sebastião e até mesmo nos passeios domingueiros predominava adocicado o cheiro da brilhantina. Outro produto de perfumaria muito em voga, com fama de deixar os cabelos sedosos, era o Óleo de Mutamba, vendido em pequenos frascos de vidros alongados. A cabeça oleosa contrastava com o rosto excessivamente empoado pelo então famoso pó de arroz Coty, em cuja caixinha amarela vinha impressa, ao estilo art-nouveau, a figura de uma sedutora dama de vestido longo”.
Só lembrando que, antes da brilhantina, usou-se muito espermacete, óleo de coco, banha de porco e similares, para domar os cabelos.
Se alguns podiam se limpar, outros sofriam com a ausência de higiene. Era o caso nas infernais prisões durante o Estado Novo. Graciliano Ramos as experimentou de perto, em Ilha Grande:
“Ingressando na fila, esse desgraçado recurso me fugia, o exame impunha-se. Caras macilentas, o suor a escorrer nas barbas crescidas; magrém e sujeira, chagas medonhas produzidas pela mucurana; fadiga, nudez mal disfarçada em trapos imundos; gestos de impaciência, inúteis pedidos silencioso. As pessoas agachadas contorciam-se em longos tenesmos, retardando-se, arfando; limpavam-se em farrapos, lenços, fraldas de camisa, erguiam-se exaustas e ao cabo de alguns minutos várias iam de novo contrair-se numa cauda de fila. Os sucessivos jatos de água lavavam nádegas. Apesar disso, havia filetes de sangue às margens das latrinas, coágulos de sangue. Lembrei-me da informação cruel à hora do almoço. A potassa arruinava intestinos. Arriscara-me a ingerir uma colher de feijão e apavorava-me submeter-me àquela ignomínia… Era abjeto achar-me no desfile repugnante, obrigado a ver fisionomias decompostas em desmaios de cólicas”.
Já os banhos duplos e diários que tomava Pedro Nava no chalé dos banhos do internato também não foram esquecidos. Mas por outros motivos: “os pedaços de sabão de coco, as toalhas limpíssimas empilhadas nos bancos corridos, a água imóvel do tanque refletindo as luzes e as paredes e logo nosso corpos. Éramos de toda a qualidade. Obesos e magros”.
Lavar as mãos antes das refeições era costume em algumas casas – explica Miriam Sales. Ninguém ia ao banheiro para fazê-lo, mas era usado um lavatório de ferro, com bacia decorada próximo à mesa. Só depois de enxugar as mãos em toalha impecavelmente limpa, se tinha direito a ouvir: “bom apetite”!
- “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.

“La toilette”, de Edgar Degas. As roupas de baixo não favoreciam o asseio das senhoras