Os anos 1840 e 1850 foram aqueles de transição. Modernizavam-se as técnicas de transporte. Os palanquins e cadeirinhas tinham se tornado um arcaísmo, substituídos por carruagens europeias. Em 1833, o dinamarquês João Ludolfo Guilherme Rohe fundou sua “fábrica de carros”. Mais ligeiros, os phaeton, tilbury e victórias passaram a circular com cocheiros fardados. Segundo Georges Gardner, de passagem pelo Nordeste entre 1836 a 1841, “O grande desejo dos habitantes parecia o de se dar ares europeus”. Isso acontecia em parte pelo influxo de imigrantes, mas também porque muitos brasileiros começavam a visitar a Europa para estudar ou outros fins. Longe iam os tempos em que as brasileiras saíam às ruas de mantilha, escondendo o rosto e os homens, portavam chapéus armados e fivelas nos sapatos.
Na Corte, a Rua do Ouvidor estava ocupada pelo comércio de luxo e as lojas, elegantemente decoradas com enormes espelhos como os que ele via em Londres. “É a Regent Street do Rio”, concluía. Para fazer música, o piano tomara o lugar da viola que agora só se ouvia no interior das províncias. E escolas e internatos para jovens começavam a se instalar. O porto de Santos, por sua vez, fazia seguir para São Paulo e Jundiaí, por via ferroviária o algodão, o ferro e o aço, mas também, chocolates, biscoitos em lata, águas minerais e licores, conservas estrangeiras, patê de foie-gras, e todo o tipo de conserva estrangeira. Com a regulamentação da importação, multiplicavam-se utensílios domésticos, valorizavam-se objetos úteis e inúteis e crescia o horror ao vazio. Do picador de carne ao moinho de café, das primeiras rodas de borracha para carros de boi ao mobiliário inglês e francês, do uso de banheiras às escarradeiras decoradas, a invasão se fazia permanente.
Sim, a cidade era “um centro diversificado”. Estrangeiros de procedência e ofícios diversos – marceneiros, cabeleireiros, químicos, funileiros, ferreiros, modistas, fabricantes de queijo – estabeleciam na Corte e nas capitais importantes, suas oficinas, fundições e lojas. O comércio se ampliava. Agora, não mais com Portugal ou suas colônias. Mas com a Europa. O brasileiro se queria inglês ou francês. Do primeiro, desejava os artigos da revolução industrial vendidos na Rua da Alfândega ou dos Pescadores: produtos de vidro, cobre, lã, ferro, sapatos, roupas, colchões e até caixõezinhos já enfeitados para enterrar crianças. Do segundo, as modas e os modos exibidos na Rua do Ouvidor. Desse diálogo de outras culturas com o Brasil, nasciam o “Mister” e a “Madame”.
Grandes cargas de panos, móveis, louças e artigos de luxo inundaram os portos do Brasil, tão logo a França pôde competir com a Inglaterra na conquista do mercado brasileiro. Fácil? Nada disso. Certo despachante francês, Edouard Gallès, num opúsculo escrito em 1828, lembrava os vexames alfandegários, os gastos exorbitantes que podiam ser evitados, os atrasos, as operações desastrosas que obrigavam exportadores a vender sua mercadoria com prejuízo. Uma diferença de cor na mercadoria podia condenar um comerciante mal informado. Ou, certos artigos úteis davam prejuízo, enquanto objetos de fantasia permitiam quadruplicar o lucro. O desconhecimento das populações que pretendiam abastecer era total. Como ele mesmo registrou, “parecia que se vogava para o descobrimento do Brasil, do qual, até então, só vagamente se tinha ouvido falar”.
A aventura dessas operações transoceânicas juntava muitas vezes indivíduos desajustados à nova ordem econômica na Europa e ansiosos de recompor suas vidas num mundo desconhecido. Mas, foi através deste desordenado tráfico que os habitantes do país entraram em contato com a única indústria que competia com a inglesa. Louis de Freycinet, comandante da corveta Uranie, que aportou no Rio em 1817, foi dos primeiros a observar que, precocemente, “o gosto do luxo”, na forma de lustres, pianos, móveis finos e candelabros começava a se disseminar. Dez anos depois, jornais parisienses comemoravam o crescimento do comércio francês.
O francês Adolphe D´Ássier no seu “Le Brésil Contemporain – races, moeurs, instituitions et paysages”, publicado em 1867, teve, contudo, palavras duras sobre esse momento de invasão de modas de além-mar: “Não acreditamos que exista nos anais do comércio uma época onde a febre do ganho tenha se instalado de uma maneira tão escandalosa”. Nos anos 1830, outro observador gaulês, Ferdinand Denis, explicava: o império procurava escapar ao “mau gosto” português ou dos objetos feitos em casa, por mãos de mulatos e negros, para adquirir o que fosse “fabricado” em loja, oficina ou laboratório europeu por mãos estrangeiras.
“As alianças de cobre ou zinco foram vendidas por ouro […] o cobre branco da Alemanha passava por prata”, escandalizava-se Charles Expilly, autor de um livro sobre as mulheres brasileiras no qual observou que vestidos do tempo do Diretório, fora de moda há dezenas de anos eram aqui adquiridos como se fossem o “dernier cri”. Pura mistificação comercial! Sem contar o destino insólito de certas mercadorias importadas. Em Belém do Pará, o pintor francês Auguste François Biard se divertiu ao ver tabacarias vendendo sapatos e guarda-chuvas. Ou sapateiros vendendo licores, especialmente a renomada Chartreuse. Em busca de uma caneta, ofereciam-lhe, em troca, lancetas!
- Texto de Mary del Priore. Adaptado de “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)”, Editora LeYa, a com lançamento previsto para o final do mês.
Jean-Baptiste Debret.
Ótimo texto!!! Admiro a autora!