Amores maduros

Em nossa história, houve um famoso amor de outono. Quem o encarnou foram dois personagens: dom Pedro II e a Condessa de Barral. Ela tinha nove anos a mais que ele. Dedicaram-se um ao outro durante 34 anos. Ao final da vida de ambos, o imperador, já no exílio, hospedou-se no castelo dela, em Voyron. Diariamente, depositava à porta do quarto da dona da casa um ramalhete de flores do jardim. Dom Pedro II mesmo as colhia. À noite, liam juntos e dialogavam na frente da lareira. As “conversinhas”, dizia ele com encantamento, eram intermináveis. Luisa de Barral, por sua vez, tomava as mãos dele entre as suas e, com delicadeza, as massageava. Eram tempos em que as pessoas “não davam”, mas “se davam”. E o amor era feito de outra gramática: um nó na garganta, um suspiro, um rubor. E tudo estava dito.

Uma das conquistas do último decênio foi a valorização da “melhor idade”. Com a chegada do Viagra, em 1998, casais de cabeça branca puderam prolongar, com carinho, as outras conversinhas. Foi o fim dos retratos em que os mais velhos pareciam tão sisudos. Se até o século XIX matronas pesadas e vestidas de negro enfeitavam álbuns de família, no século XX, tenderam a desaparecer da vida pública e, sem vergonha das imperfeições, despiram-se na vida privada, pois a possibilidade oferecida pela medicina de prolongar os dias com qualidade não era mais vivida como um problema, mas como um desafio. E muitas aproveitaram. Sua sexualidade não era mais resumida ao ato sexual, e sim a algo mais amplo: “é o impulso de vida, é a energia que te leva para frente”, dizia a psicanalista Maria Elvira de Gotter. A maioria não quer casar, só beijar na boca, explicava a socióloga Miriam Goldemberg.

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O tempo, como canta o poeta, transforma as formas do viver. Por vezes, com voz inaudível e deformada pela passagem dos anos, os amantes de outono falam desse tempo em que, com olhar distanciado, podem deixar vir a si todas as coisas, até mesmo as do coração. A partir deste limite, seu tíquete não é mais válido? Puro engano. Aceitar as perdas, substituindo-as por alegrias; tentar se libertar do passado para viver o presente ou preservar uma maneira de amar e de criar dão nova dimensão a essa fase da vida – fase, aliás, que tende a se prolongar. Os resultados da pesquisa com genoma estão aí para nos deixar mais longevos; para nos dar mais gás e incentivar a organizar um outro momento.

Diante dessas possibilidades, é preciso redesenhar essa estação da vida com novas cores. Erigir outra bandeira que não seja a da renúncia. Descobrir os valores da terceira idade: a importância das pequenas coisas, aparentemente insignificantes. Os momentos de contemplação e de companheirismo. A partilha de responsabilidades parentais ou outras. O prazer de estar junto e compartir parcerias. E, por que não, o amor. Um amor como o do casal Pedro e Luisa, feito de delicadeza. Afinal, os corações não envelhecem nunca.- Mary del Priore

d.pedrosegbarral

 

O imperador e seu grande amor, a condessa de Barral (ainda jovem no retrato).

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