As praias do litoral que presenciaram, há quinhentos anos passados o encontro dos nativos brasileiros com os navegadores portugueses, ganharam, ao longo do tempo, nova função. Até o século XVIII, lixeiras. No XIX, remédio para doenças e recomendadas para tratamentos de saúde. No XX, seriam sinônimos de lazer. Não se temiam mais criaturas invisíveis e traidoras, escondidas sob o azul das ondas, capazes de arrastar banhistas ao fundo, mas, ao contrário. Brincavam-se em meio à espuma e ao estrondo das vagas, desenhava-se na areia. Homens e mulheres aprendiam a nadar. O cenário inspirava pintores, poetas e fotógrafos. Nascia a moda do “banho de mar”. Um serviço de salvamento se ocupava dos nadadores mais ariscos e a polícia, dos banhistas que, por falta de indumentária “adequada”, costumavam tomar banho pelados: os pobres, sobretudo. A imprensa protestava contra “a galeria de nus” que se exibia, cedo, de manhãzinha na orla: um quadro “indecoroso” e “pouco civilizado”.
O surpreendente é que os homens, mais do que as mulheres, fossem o alvo principal das denúncias como explica o historiador J. Barickman. As mulheres, quando iam ao banho e voltavam para casa, geralmente vestiam um roupão ou uma capa, ou enrolavam-se num lençol. Mas muitos banhistas masculinos vestiam um simples paletó por cima de traje de banho. O paletó obviamente não lhes cobria os joelhos nus. Se não bastasse isso, alguns não abotoavam o paletó, o que deixava indiscretamente visível o calção na altura da entreperna. Pior ainda, outros dispensavam completamente o uso do paletó; iam à praia e voltavam para casa, vestindo apenas o calção e a camiseta de banho.
A polícia tentou impor restrições às roupas de banho e à presença de banhistas nas ruas. As críticas, porém, não se restringiam às roupas usadas no mar e na areia; de novo, também tinham como alvo o “espetáculo” dos banhistas nas ruas da cidade. Assim, o “Binóculo”, na Gazeta de Notícias, afirmou, em 1920, que “só no Rio se constata tal espetáculo”. Negou que houvesse “outra qualquer cidade de país civilizado em que se ande na via pública em semelhantes trajes”. Dois anos depois, em fevereiro de 1922, Coelho Neto tratou da mesma questão num artigo publicado na primeira página d’A Noite. Condenou “o escandaloso deambular dos banhistas” que, “em trajos sumários de mergulho”, ocupavam as ruas – até as “mais concorridas e em horas de maior movimento” – quando iam à praia ou voltavam para casa. Para o escritor, esse hábito, que não era nem “direito” nem “decente”, só daria aos estrangeiros uma péssima impressão da cidade. A polícia de fato terminou tendo de aceitar o maiô. “Para os banhos de sol” nas areias de Copacabana e “para a comodidade dos [sic] banhistas”, já observara, em 1925, o Correio da Manhã, “o maillot é o traje mais adequado e simples”. Dois anos depois, em janeiro de 1927, o “Binóculo” pôde declarar que, no Rio, o maiô tinha vencido “definitivamente”.
O Brasil não se achava atrasado em relação aos modernos costumes balneários da Europa. A livraria Laemmert, uma das mais importantes da capital, traduziu do francês e vendia a rodo o Manual da arte de nadar. As novas gerações aprendiam a nadar nas piscinas de escolas e clubes desportivos. Agremiações ligadas ao remo ensinavam e promoviam competições de natação. Os campeonatos passaram a ser organizados pela Federação Brasileira de Sociedades de Remo que abriu a porta para nadadoras: Blanche Pironnet, Alice Possolo, Maria Lenk e outras.
Os banhos de mar deveriam ser de manhã cedo ou no final da tarde, em horário determinado por lei: das 5 às 8h e das 17 às 19h, de dezembro a março; das 6 às 9h e das 16 às 18h, de abril a novembro. Não se tomava sol: o padrão de beleza elegante era pele alva, assegurada por cosméticos, chapéus, sombrinhas, guarda-sóis e vestuário. Aos poucos, entretanto, a prática de esportes, principalmente da natação, contribuía para a diminuição do tamanho das roupas de banho. Entre as banhistas cariocas apareciam maiôs ousados, que deixavam ombros e joelhos de fora, esclarece o historiador Paulo Donadio.
Mas, em setembro de 1920, uma visita real consagrou definitivamente o banho de mar e a praia de Copacabana. Tratava-se do casal de monarcas, Alberto I e Elizabeth da Bélgica, ele aclamado herói da I Guerra Mundial. Apesar de todas as atrações turísticas que lhe foram oferecidas, nas quatorze alvoradas que passou no Rio, o monarca saltava da cama diretamente para a praia de Copacabana. Todo dia era dia de banho de mar. Chegava pouco antes das sete horas, trocava de roupa num palacete da Avenida Atlântica e seguia de carro para a enseada do Posto 6. A notícia se espalhou no primeiro dia e logo atraiu milhares de pessoas, que passaram a assistir, da avenida e das areias, aos banhos do rei. Até dentro do mar, guardando uma distância respeitosa, dezenas de banhistas seguiam os exercícios de natação de sua majestade. A multidão aplaudia o Rei-Herói.
Nem banhos de mar nem Copacabana era novidade no Rio de Janeiro daquele tempo, explica Donadio. Copacabana havia muito já não era lugar de difícil acesso. A abertura de túneis, em 1892 e 1904, desencadeou a ocupação do arrabalde. Na época da visita do rei Alberto, já era considerado um bairro, onde predominavam boas casas e palacetes. Antes mesmo do aparecimento do Copacabana Palace, em 1923, a elite carioca havia tomado conta do lugar.
A rainha Elizabeth banhou-se com menos frequência e sempre mais tarde que o rei. Entrava no mar, acompanhada de um cavalheiro no qual se amparava, segurando-o pela mão. Seus banhos não duravam mais de quinze minutos. Já os banhos do rei eram demorados exercícios de natação. Alberto furava as ondas, dava braçadas vigorosas, nadava centenas de metros e de vez em quando ultrapassava os limites demarcados pelo serviço de salvamento. Certa vez, quando se afastou da costa, foi seguido por duas jovens nadadoras copacabanenses. Ao adverti-las de que era perigoso irem tão longe, teve como resposta que nada temiam, pois eram conhecedoras da praia desde pequenas. E ainda foi desafiado para uma competição – da qual saiu vencedor, é claro. Alberto, além de rei-soldado, era um rei sportman. Representava, junto com essas banhistas, um modo esportivo de ir ao banho, baseado na prática da natação, que concorria com o antigo hábito, justificado no discurso médico de se deixar embalar pelas águas.
- “Histórias de Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3)”, de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.
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