No século XIX, a popularização dos bordéis traz um grande problema: a sífilis. Há quem fale até em sifilização das grandes capitais. Multiplicam-se os manuais de venereologia e descobertas, feitas na primeira metade do século, permitiam identificar os cancros simples, dos infectantes. Descreviam-se obsessivamente os desdobramentos da doença nos rins, no fígado e no sistema nervoso, criando uma angústia surda em torno do assunto. Usava-se e abusava-se de mercúrio para sanar as chagas fétidas, assim, como de negrinhas virgens a quem se creditava limpar o sangue. Os jornais multiplicavam anúncios de remédios milagrosos e não foram poucos os homens públicos, senadores e poetas que morreram deste mal.
As observações sobre a hereditariedade da doença mal eram guiadas por observações clínicas. A moral social – que dava ao sexo masculino toda a liberdade e nenhuma ao feminino -, tornava difícil à confissão da mulher sifilítica. Exageravam-se as responsabilidades dos pais enquanto as mães gozavam de certa imunidade sobre a falta cometida. Inocentavam-se as esposas até prova em contrário. Os sintomas da sífilis primária, sendo difíceis de reconhecer na gestante, aumentavam a culpa do homem. A crença de que a mulher ficava durante muito tempo impregnada pelo sêmen do primeiro parceiro, justificava filhos segundos e terceiros infectados.
A doença desfigurava, transformando belas em feras, homens em monstros. O famoso Elixir de Nogueira estampava em seu rótulo a imagem de uma destas criaturas coberta de cancros. O machismo era tanto, que poucos pensavam na hipótese de infidelidade feminina. Embora os historiadores só falem nos sofrimentos da mulher, este foi um século de muito sofrimento para homens também.
Já a palavra onanismo – de Onã, personagem bíblico que praticava coitos interrompidos – pairava como um medonho fantasma sobre homens e mulheres jovens ou adultos na segunda metade do século. Antes, então, só os padres confessores falavam disto. Estudos médico-legais vindos da Europa introduziram o tema entre nós. As crianças poderiam transformar-se em cadáveres ambulantes. Ao menino que se masturbava, fazia-se medo com o Mão-de-Cabelo e outros monstros de folclore. As flores vermelhas do mandacaru, os ocos de bananeira, as simples galinhas ou as ancas largas das vacas, tão úteis na iniciação de jovens de Norte a Sul, passam a ser alvo de perseguições. A masturbação destruía lares, casamentos e famílias. Ela não só fazia mal à saúde como esgotava as forças, prejudicando o trabalho.
O livro do Dr. Tissot circulava nas bibliotecas médicas e seu título não deixava dúvidas: Onanismo, dissertação sobre as doenças produzidas pela masturbação, com páginas aterradoras sobre a condenação científica das práticas solitárias. Proibia-se dormir de dorso. Antes pecado, agora doença ou ambos, os masturbadores sofriam de febres, magreza, suores, surdez, estupidez e imbecilidade. Suprimiam-se os bolsos das calças. Usar luvas era obrigatório. Reconhecia-se o mau hábito pelo “cheiro do esperma”, segundo alguns doutores. Casernas e colégios internos eram a seara dos viciosos. O medo das “latrinas”, crescente. Portas cortadas na parte superior atuavam como uma forma de vigiar a garotada. Os “doentes” usavam camisolas ou cuecas de couro e sofriam aplicações “refrigerantes” in loco. Gelo e sal de cozinha eram muito eficientes. A cauterização com nitrato de prata na porção prostática do canal da uretra, indicado em casos “perdidos”. Bandagens sobre medida podiam ser encomendadas nas boas casas do ramo. Era uma luta fanática!
Ameaçavam-se meninas bonitas de ficarem feias. Corcundas, vertigens, epilepsia, câimbras, gordura, a lista de conseqüências da “mão amiga” não acaba. Eram proibidas as leituras picantes – as “pestilênciais novelas” ou a poesia erótica – assim como a ingestão de chá e vinho. A masturbação era o vício em estado puro. O fato de que a mulher pudesse ter prazer sem o homem, parecia absolutamente intolerável. Dr. Pires de Almeida era incansável em admoestar sobre as conseqüências do “clitorismo”: hálito forte, gengivas e lábios descorados, sardas e espinhas, perda de memória e para culminar, morte lenta e dolorosa. Na Inglaterra, combatia-se o vício queimando o clitóris com ferro quente. Operava-se com bisturi, tesouras ou galvanocáustica – ou seja, correntes elétricas. Queimar com uma caneta de nitrato de prata toda a superfície da vulva era outra saída. A Igreja, por sua vez, debruçou-se com toda a atenção sobre o que se considerava o “onanismo conjugal”. Ou seja, ela perseguia todas as manobras que, no seio do casal, se fizessem para obter prazer, sem que houvesse risco de gravidez.
– Mary del Priore.
“Salão na Rue de Moulins”, de Henri de Tolouse-Lautrec (1894).
Amei conhecer um pouco da história do Brasil.