Século XIX: o “elegante” adultério das classes abastadas

“Amar as esposas alheias é tão aceitável como filar cigarros e ler os livros dos outros”

Sim, gostava de pousar o rosto nos majestosos seios por trás das rendas do corpete amarrado “à preguiçosa” para que pudéssemos desatá-lo sem esforço. Depois, o confronto com o efeito perverso de laços, colchetes e botões que só aumentavam a impaciência de meus dedos. Ou os cabelos que ela soltava para se
dar ares de prostituta. Ela conhecia como ninguém o segredo das
belas roupas íntimas.
Sim, foram as felicidades da carne: as saias amassadas sobre
a poltrona, os beiços vermelhos, os braços nus, a flexibilidade cálida
da cintura sem espartilho por baixo do peignoir, o cheiro de pó de arroz. Foram horas de embrutecimento e lassidão sobre um canapé, sugerindo sua vertigem e derrota. Extraí de todos os encontros, todo o prazer. Espremi cada momento como se espreme uma fruta. Como disse alguém, amar as esposas alheias é tão aceitável como filar cigarros e ler os livros dos outros. Mas não caio
em sentimentalismos. É hora de voltar e enriquecer. 

Sim, devo voltar ao cafezal, aos escravos e o piano de Nicotáh.
A música que traduz os queixumes de sua alma ferida. Aos
segredos que deve revelar apenas ao padre confessor. Sua tosse,
seus sangramentos, sua tristeza de terra estéril, sua maternidade contrariada. Ela colocou um genuflexório no quarto, fez um recanto de orações para cultuar seu angelismo na minha ausência. Se ela não me dá filhos, me dá café. Trabalha lado a lado com os escravos. É alguma coisa.

Não lhe cabe, de qualquer maneira, inspecionar minha presunção de fidelidade. Longe do domicílio conjugal, tenho direito a travessuras!!!

Trecho de “Beije-me onde o sol não alcança”, de Mary del Priore. Editora Planeta, 2015.

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beijomary

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